Com guitarras artesanais, Rosie Mankato prepara a trilha sonora da revolução feminina

Primeira luthier do país formada em construção de instrumentos elétricos criou uma fábrica num subsolo do Campo Comprido e hoje começa a ganhar o mundo

Este texto é parte de uma série de quatro perfis de grandes mulheres de Curitiba, publicados pelo Plural em homenagem ao Mês da Mulher

O nome dela é Rosanne Machado, mas ninguém conhece assim. Se você quer saber mais sobre a luthier que está fazendo a diferença no mercado de guitarras e baixos vintage da cidade, você tem que procurar pelo nome artístico: Rosie Mankato.

Rosie é fácil de entender. Mais nova, Rosanne foi morar por um tempo nos Estados Unidos, e lá toda Rosanne acaba virando Rosie. Mankato é outra história: perto de onde ela morou no Wisconsin, existe uma cidadezinha com esse nome, e é uma história com um passado que atrai qualquer feminista. Lá, uma rebelde chamada Rose Wilder Lane fez um belo barulho em nome dos direitos das mulheres. E não demorou para Rosie assumir o nome Mankato como seu.

Hoje, Mankato é também a marca dos instrumentos que ela faz em sua oficina no Campo Comprido, ao lado do amigo Fábio Gorski, o popular Salsicha. (De fato, o rapaz é a cara do personagem do Scooby Doo, e se você passa meia hora na oficina, só ouve Rosie dizendo: “o Sal faz isso”, “o Salsa é incrível”, e outras variações do apelido).

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E o Sal parece realmente incrível. Foi ele por exemplo quem economizou uma boa grana para a dupla fazendo com as próprias mãos uma espécie de duto para exaustão de vapores tóxicos na oficina, que fica num subsolo. E os dois parecem ter uma admiração mútua sensacional.

Rosie, segundo Salsicha, é a obcecada. Ninguém, diz ele, consegue se concentrar tanto em um único detalhe, trabalhar tantas horas seguidas para melhorar um único milímetro de uma peça, melhorar um tantinho o polimento ou achar aquela regulagem tão perfeita que ninguém vai conseguir defeito.

Mankato: guitarras e baixos com madeiras tropicais e qualidade artesanal. Foto: Tami Taketani/Plural

Ele, segundo os dois, é o punk da dupla: faz qualquer coisa a partir de qualquer pedaço de matéria-prima, num clima bem diferente. Juntos, eles conseguem refinar as guitarras e baixos produzidos naquele subsolo até chamar a atenção de instrumentistas de primeiro nível da música brasileira.

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Rosie, assim como as feministas de Mankato no século 19, tem um quê de pioneirismo. Nunca antes dela uma mulher havia se formado luthier no Brasil com especialização em instrumentos eletrônicos. (Ela só se lembra de uma fabricante de violinos antes dela.)

A formação ocorreu na UFPR, única universidade pública Lica brasileira com um curso de produção de instrumentos musicais. Obviamente, ela era uma das raras mulheres no curso. E, obviamente, sofreu com as dúvidas e piadinhas que existem em todo ambiente machista.

Mesmo depois de já ter aberto uma fábrica de instrumentos que leva seu próprio nome, ao fazer uma exibição numa feira, os possíveis clientes paravam para falar com os homens que estavam com ela no estande – como se fosse impossível que aquela garota magrinha e de modos delicados pudesse construir algo do gênero.

Mas Rosie não tem nada de frescura. Enfrenta os homens de igual pra igual. Se impõe num mundo cheio de preconceitos (ela é casada com a artista plástica Raysa Fontana, uma moça genial que já fez trabalhos para veículos como Le Monde e New York Times). E manda ver como empresária, luthier e cantora.

Rosie com um de seus modelos prediletos: atenção total aos detalhes. Foto: Tami Taketani/Plural

E não tem dor ou perrengue que faça ela parar. Numa das serras da oficina, ela quase perdeu o mindinho, que ficou preso por uma partezinha do osso. Ela e Salsicha correram para o hospital e hoje sobrou só uma leve cicatriz, mas que atrapalha para que ela toque as próprias músicas.

Antes da Mankato Tropical Guitars, ela era mais conhecida por sua música própria – um tipo de indie meio angustiado tremendamente bem produzido. (Aliás, parte do financiamento de Rosie e da Mankato vem da grana que ela ganha produzindo uma banda do outro lado do mundo, na Austrália.)

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O fato é que os instrumentos que saem da Mankato (coisa de um por mês, tudo feito artesanalmente) são um primor. Guitarras com peças perfeitos, baixos com pinturas reluzentes, e tudo com um som capaz de concorrer com as melhores marcas do mercado.

O preço do instrumento varia de acordo com o modelo escolhido no catálogo, mas começa em torno de R$ 9 mil. Aos poucos, as vendas permitem a compra de mais maquinário, como uma serra computadorizada que agora não vai mais deixar ninguém perder dedos na oficina. “Comprei tudo com bitcoins, acredita?”, conta ela.

E o sucesso de Rosie chama atenção. Ela e Sal já apareceram no Globo Repórter como uma ideia que deu certo – a reportagem mostrava uma aprendiz de luthier visitando a oficina e vendo aonde é possível chegar. E aos poucos isso vai atraindo mais mulheres para o mercado.

Rosie produziu, por exemplo, os instrumentos em escala miniaturada que são usados pelas meninas que participam do Rock Camp, uma colônia de férias que ensina garotas pequenas e adolescentes (meninas e pessoas não binárias) a tocar instrumentos e formar uma banda.

O próprio público da Mankato é mais feminino do que o de outras marcas. Até celebridades como a guitarrista Monica Agena (ex-Natiruts) compram lá – no caso dela, foi criado um modelo especial.

E enquanto a meninada vai chegando, Rosie vai tocando o negócio e se firmando como a luthier do momento para quem curte instrumentos vintage. E do subsolo de uma casa no Campo Comprido vai fabricando os instrumentos que vão gerar a nova onda musical das meninas e meninos do país.

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