Cloroquina tem efeitos tóxicos em células vasculares

Estudo mostra que lesão pode contribuir com o fracasso do remédio como tratamento da Covid-19

O uso da cloroquina como tratamento para o coronavírus nunca foi comprovado. Agora, pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) publicam estudo mostrando que a cloroquina provoca danos em células endoteliais, presentes em todos os vasos sanguíneos do corpo humano, podendo afetar diversos órgãos. A lesão celular pode contribuir com o fracasso da cloroquina como terapia para o tratamento da Covid-19

Os resultados foram publicados na revista Toxicology and Applied Pharmacology. A pesquisa foi conduzida durante o doutorado de Paulo Cézar Gregório, do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia, Parasitologia e Patologia da UFPR, sob a orientação da professora Andréa Emília Marques Stinghen, do Departamento de Patologia Básica e do professor Fellype de Carvalho Barreto​, do Departamento de Medicina Interna da UFPR.

Para chegar a essa comprovação, o pesquisador trabalhou com linhagens de células endoteliais humanas extraídas de vasos sanguíneos, que foram cultivadas na presença de cloroquina, em concentrações incapazes de causar sua morte celular, por até 72 horas.

Observou-se que, durante esse período, a célula induziu significativamente o acúmulo de organelas ácidas, aumentou os níveis de radicais livres e diminuiu a produção de óxido nítrico, levando ao estresse oxidativo e dano celular. Este processo, chamado de disfunção endotelial, pode resultar no funcionamento incorreto ou até na morte da célula.

“Ela para de produzir substâncias que a protegem e passa a produzir em excesso substâncias tóxicas”, resume a professora Andréa. Ainda de acordo com a hipótese do estudo, a disfunção endotelial pode afetar a circulação sanguínea, e por consequência, órgãos como coração, rins e pulmões.

O comportamento das células cultivadas em laboratório é semelhante ao de células endoteliais infectadas pelo vírus SarsCov-2. Por isso, os pesquisadores concluem que a lesão nas células pode contribuir com o fracasso da cloroquina como terapia para o tratamento da Covid-19.

Embora haja diminuição da replicação viral in vitro, o uso da substância traz reações adversas. “Se por um lado, a cloroquina pode diminuir a replicação viral, por outro promove uma citotoxicidade que pode potencializar a infecção viral”, afirma Gregório.

Efeitos de diferentes concentrações de cloroquina nas células endoteliais. Ilustração: UFPR

Outras pesquisas já comprovam que a alta mortalidade nos casos graves de Covid-19 é relacionada à micro ou macrotrombose, ou seja, à lesão celular endotelial. Por isso, os resultados do estudo são importantes para endossar a comprovação clínica, conforme explica Andréa: “Já está provado que a Covid causa muitos problemas de coagulação e de circulação. Com isso, conseguimos ligar esses efeitos que observamos nas células, aos que os pacientes apresentam clinicamente”.

A cloroquina já é utilizada há muitos anos para o tratamento de malária e doenças autoimunes, como o lúpus. Sobre o uso já consolidado, Gregório enfatiza que, ao utilizar qualquer medicamento, deve-se pesar os riscos e benefícios, pois não existe medicamento sem efeitos adversos. “É preferível controlar doenças graves, em troca dos efeitos colaterais do remédio (cloroquina). Assim é com toda terapia comprovada para alguma doença. Os benefícios têm que superar os riscos”, conclui.

“Tratamento precoce”

Desde o começo da pandemia, diversas pessoas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), defendem o uso da hidroxicloroquina como um tratamento precoce contra a Covid-19.

Mesmo sem nenhuma evidência científica que comprove a eficácia do tratamento contra a doença, ⅓ dos médicos brasileiros ainda defende o uso do remédio, segundo levantamento da Associação Médica Brasileira (AMB). A pesquisa foi realizada de forma on-line com 3.882 profissionais.

Colaborou: Maria Cecília Zarpelon, com informações da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

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