Casa da Estudante tem suástica; cartazes contra racismo foram rasgados

Elevador da Casa da Estudante já foi marcado por expressões antissemitas e racistas em janeiro deste ano; UFPR apura o caso

A Casa da Estudante Universitária de Curitiba (CEUC), ligada à Universidade Federal do Paraná (UFPR), voltou a ser alvo de manifestações nazistas e racistas. No último sábado (18), as moradoras encontraram uma suástica na porta do elevador da casa e cartazes em defesa do movimento negro rasgados. Em janeiro deste ano, a instituição já havia denunciado e registrado na polícia outra situação de discriminação.

De acordo com Keu Araújo, primeira pessoa negra a ocupar a presidência da CEUC, como não há câmeras de segurança no elevador, é difícil identificar quem é o autor ou autora do crime. “É complicado porque é um lugar desprotegido. E nós suspeitamos que seja um grupo porque não é a primeira vez que isso ocorre, parece que os autores se sentem fortalecidos e encorajados para continuar com esses atos.”

Keu conta que a instalação de câmeras de segurança por parte da UFPR chegou a ser discutida numa assembleia da casa, mas que acabou não indo para frente. Agora, com o segundo caso de discriminação repassado à universidade, a presidente da CEUC diz aguardar uma resposta institucional que iniba esses ataques.

“É um sentimento de tristeza, revolta, indignação, mas principalmente de medo, porque isso é uma deslegitimação da nossa existência enquanto pessoas pretas. A CEUC era para ser segura, mas as pessoas pretas não se sentem assim. Elas estão querendo sair de um espaço que é, sobretudo, feito para elas”, diz Keu. 

A estudante de Administração de 19 anos, Nayra Fátima de Quadros, mora na CEUC desde maio de 2022. Ela relata que casos de racismo ocorrem na casa há bastante tempo, e que, por conta disso, as moradoras negras passaram a se manifestar. Daí surgiu a ideia de fazer a colagem no elevador (que foi vandalizada no sábado) para enaltecer e defender a negritude.

“Antes da pandemia uma menina trans negra saiu da casa porque não aguentou. Ela era perseguida pelos corredores. A gente se sente muito coagida e silenciada.”

Ao Plural, a UFPR, por meio da Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade (Sipad) e da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), informou que, apesar de seguir com o processo de investigação, há dificuldades técnicas justamente pelo fato de o ambiente não ser monitorado por câmeras.

“As residentes da Casa da Estudante Universitária de Curitiba (Ceuc), que inicialmente solicitaram a instalação dos equipamentos, agora alegam preocupação com a privacidade. As moradoras colocaram o assunto em pauta em assembleia da Ceuc e não aprovaram o monitoramento por vídeo.”

Segundo a universidade, as vítimas de racismo estão sendo atendidas por psicólogas da Sipad e da Prae. “A UFPR busca fortalecer as redes de apoio para estudantes negros e reitera que é absolutamente intolerante a qualquer ato de discriminação e violência, seja física, verbal ou simbólica”, disse, em nota.

Investigação

O primeiro caso ocorrido na CEUC em janeiro ainda está sendo investigado pela Polícia Civil do Paraná (PCPR). Keu Araujo afirmou que registrará outro boletim de ocorrência ainda esta semana. A PCPR foi procurada, mas não retornou até a publicação desta reportagem.

O coordenador do departamento de História do Museu do Holocausto de Curitiba, Michel Ehrlich, explica que, apesar de não ter como apontar uma “rota” que leva às pessoas a ideários neonazistas, o que se observa é que, muitas vezes, a “porta de entrada” se dá por fóruns de discussão masculinistas, elitistas e racistas. “À medida que ideias misóginas, racistas e homofóbicas circulam mais na sociedade, não é de se espantar que alguns dos indivíduos que compactuam com essas ideias vão (sobretudo por meio de fóruns virtuais) ter acesso também a ideias ainda mais extremistas ou ainda mais interditadas legalmente como é o caso do neonazismo”, aponta.

Por isso, Ehrlich, que também é mestre em História pela UFPR, defende a necessidade de investigar não apenas o responsável pelo atentado como também as redes em que ele se encontra e que geram esse tipo de ideia. “É preciso investigar como esses indivíduos tiveram acesso a esse tipo de conteúdo e quais são as pessoas envolvidas. O uso da simbologia nazista é crime no Brasil e o Museu do Holocausto de Curitiba não só segue mas concorda com a criminalização de símbolos como a suástica.”

Debate

No próximo domingo (26), às 14h30, a CEUC vai promover uma roda de conversa sobre nazismo, Holocausto e trauma, com apoio do Centro de Educação e Memória do Holocausto. O debate, que ocorre de forma virtual pelo Zoom, conta com a presença da Doutora em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia e Diretora do Memorial às Vítimas do Holocausto do Rio de Janeiro, Sofia Débora Levy.

“A roda de conversa já tinha sido agendada antes dos ataques, mas a situação só reforça a necessidade de discutir isso aqui na casa”, afirma Keu.

Além do debate, a UFPR realizará um seminário de formação nas temáticas relações étnico-raciais e racismo, que será ministrado pela Sipad. Serão três dias de encontros presenciais e seis mesas de debate que ocorrerão entre 27 de fevereiro e 1º de março, no Programa de Pós-Graduação em Educação (Rua Rockefeller, 57). 

Segundo a UFPR, o seminário será transmitido ao vivo pelo canal do YouTube da Sipad e será ofertado como condição de ingresso para novas moradoras da CEUC.

Denúncia

Para denunciar atos antissemitas e apologia ao nazismo, é possível fazer boletim de ocorrência em delegacia, acionar o Ministério Público ou procurar entidades ligadas à comunidade judaica como a Federação Israelita e o Museu do Holocausto de Curitiba

No Brasil, a apologia ao nazismo é crime previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89 do Código Penal. A pena pode variar de dois a cinco anos de reclusão, além da aplicação de multa.

Em situações de racismo, estudantes e membros da comunidade da UFPR podem acionar a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis por meio do e-mail [email protected]

Casa da Estudante Universitária

Moradoras da CEUC em 1984. Foto: Reprodução/Facebook

Fundada em agosto de 1954, a CEUC é uma moradia estudantil organizada através da autogestão que tem como objetivo acolher mulheres em vulnerabilidade socioeconômica que sejam graduandas da UFPR.

Localizada na Rua General Carneiro, no Centro de Curitiba, a instituição abriga, atualmente, 80 estudantes.

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3 comentários em “Casa da Estudante tem suástica; cartazes contra racismo foram rasgados”

  1. Percebi um certo abandono quanto a Casa do estudante a porta caiu até agora não foi trocado, qualquer pessoa adentra o local, no dia do jogo invadiram o espaço, falta câmaras de segurança, não vejo tirar privacidade, não serão instaladas dentro de quartos ou nos banheiros, o descaso é grande, dando margem para que esses atos de racismo aconteça está abandonada, estudantes de uma universidade federal , jamais poderia ter atitudes racistas, homofóbicas, misoginas, qualquer tipo de manifestação deste nível, precisam ser punidos, a UFPR é o berço de formadores de opinião, inaceitável, mas UFPR, além desse tema tem que rever atitudes de seus professores em alguns quesitos,educação, respeito para com os estudantes, quando vejo algumas matérias que comentam sobre as atitudes de alguns mestres, lamentável.

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