“A pandemia deixou mais clara a importância da universidade”, diz Ricardo Marcelo

Reitor da UFPR foi nomeado para novo mandato depois de longo suspense

O professor Ricardo Marcelo Fonseca teve um apoio inédito na eleição interna da UFPR: mais de 91% dos eleitores pediram um segundo mandato para ele. No entanto, até esta quinta-feira, quando a nomeação saiu, houve um longo suspense em torno do processo.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nem sempre tem nomeado o candidato mais votado. E embora tenha recebido apenas 9% dos votos, o professor Horácio Tertuliano, com opiniões e atitudes bem mais próximas do bolsonarismo, se recusou a retirar o nome da lista tríplice enviada a Brasília, como tradicionalmente ocorre desde a redemocratização do país.

O Conselho Universitário acabou escolhendo a lista tríplice com outros candidatos que se apresentaram. E só uma semana antes da data prevista para a nova posse Ricardo Marcelo foi oficialmente reconduzido ao cargo. Nesta entrevista ao Plural, ele fala sobre o processo e sobre seus novos desafios.

O processo de escolha e nomeação foi completamente atípico. Ficam sequelas para a gestão?

Considero que nosso processo de escolha de reitor não foi atípico. Foi feito exatamente da mesma maneira como se fez desde 1985: com uma consulta prévia à toda a comunidade acadêmica e depois com uma sessão formal do colégio eleitoral que elabora a lista tríplice encabeçada pelo eleito e com outros nomes que não participaram da consulta (já que, legalmente, são processos que não devem se misturar).

O que ocorreu de diferente em 2020 foi que o derrotado na consulta à comunidade se recusou a retirar seu nome da lista tríplice e rompeu com um pacto democrático interno que funcionou durante 35 anos – certamente apostando na sua nomeação a qualquer custo, mesmo sem a legitimidade da comunidade, a exemplo do que vimos acontecer em tantas outras universidades brasileiras.

Mas como seguimos estritamente as regras que vieram do MEC, as nossas resoluções internas  e como as tentativas judiciais do candidato derrotado em ganhar no tapetão foram rejeitadas liminarmente na Justiça Federal de Curitiba e no TRF de Porto Alegre, posso dizer que não restaram sequelas. Se não tivesse sido assim, o MEC e a presidência da República não teriam feito o meu ato de nomeação. Haveria sequelas grandes, isso sim, se a democracia interna da Universidade não tivesse sido respeitada.

Como tem sido o relacionamento com o MEC nestes dois anos do atual governo? Quais suas expectativas para o novo mandato?

Não tive o prazer de conhecer o ministro Milton Ribeiro, que assumiu a pasta em julho deste ano anunciando que faria uma gestão técnica e de diálogo. Mas a relação com as diretorias do MEC em geral, e sobretudo com o seu Secretário do Ensino Superior (SESU), Wagner Villas Boas, tem sido muito constante e produtiva. Espero que assim continue.

Mais de 80% da universidade se posicionaram a seu lado. O que dizer para os demais neste momento?

Permita fazer uma correção: mais de 91% dos membros da comunidade votaram pela minha continuidade e da Graciela à frente da UFPR. Nunca houve uma eleição para reitor em nossa universidade com tanta participação da comunidade e com uma diferença de votos entre os candidatos tão grande. Para os pouco mais de 8% que não votaram em nós, asseguro obviamente uma gestão republicana, para todos e todas e sempre prezando pelo respeito ao imenso valor da nossa democracia interna e de nossa autonomia.

Em todo o país há um debate, ainda que mal informado, sobre a função das universidades públicas. Qual será o papel da UFPR neste debate?

Eu creio que neste ano de 2020, com a pandemia, as pessoas que não entendiam bem o que as universidades públicas faziam tiveram que reavaliar sua percepção. Neste ano, os protagonistas foram e são a ciência e os cientistas, onde depositamos nossa esperança de saúde e mesmo de vida. Percebeu-se como é muito melhor, em todos os sentidos, apostar na ciência e no conhecimento. Que opiniões descoladas da realidade não só são inconvenientes, mas podem ser nocivas. E o lugar de ciência e dos cientistas, no caso brasileiro, é a universidade pública. No caso da UFPR, que como as outras universidades públicas não parou por um minuto sequer neste ano, seria até má-fé não reconhecer o papel que desempenhou o nosso Hospital de Clínicas e nossas unidades nas atividades de extensão e a pesquisa executadas nos testes, nos testes da vacina, na fabricação de mais de 91 mil toneladas de álcool para 365 municípios do Estado, em máscaras, etc., etc. Sem universidades públicas e também sem o SUS o ano de 2020 teria sido muito, muito pior do que foi.

Um grande problema continua sendo a questão orçamentária. Como superar as limitações de verba?

Passamos nestes últimos 4 anos por pesadas crises orçamentárias, e buscamos enfrentá-las com planejamento e racionalização de despesas. Esse certamente vai ser também um grande desafio para o futuro. Precisamos contar muito com nossos parlamentares e suas emendas e precisamos também potencializar as estratégias de captação externa de recursos, por meio de pontes crescentes com a sociedade, sem renunciar em nenhum momento à nossa racionalidade. Mas devo acrescentar que por maiores que forem os esforços de financiamento adicional da universidade e da ciência, o orçamento público permanece sendo protagonista e fundamental, como ocorre em qualquer lugar do mundo que tenha  prosperado. Sei que temos uma crise, mas é necessário que se perceba de uma vez por todas que recursos em educação superior, ciência e tecnologia não são gastos, mas investimentos. Investimentos que ajudam inclusive a superar crises, sejam econômicas ou sanitárias.

O que dá para prometer para a comunidade universitária nos próximos quatro anos?

Respeito e valorização de nossa autonomia e de nossa democracia, que são condições fundamentais para funcionamento de uma instituição pensante como uma universidade, e não meros detalhes corporativos. Cada vez mais transparência e eficiência. Cada vez mais pontes e interlocuções com a sociedade, em todos os seus âmbitos. Cada vez mais qualidade na graduação e na pós-graduação e cada vez mais inclusão. Queremos continuar fazendo esse papel transformador de vidas e transformador de nossa sociedade, seja na economia, na civilidade, na justiça, na cultura e nas artes. Ou seja: queremos cumprir nossa função e avançar cada vez mais. Mas precisamos que nos dêem as condições para isso e que nos abracem e nos respeitem, como a “Alma Mater” da sociedade paranaense que somos.

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