59 anos depois, Antonio recanta (e grava) a música que conquistou Graciema

Antonio Carlos Tatit Holtz conheceu Graciema Pimentel em 1959. “Nós dois nascemos em Itararé, mas nos encontramos em São Paulo. Eu estudava Engenharia Civil na Escola Politécnica da USP. Ela tinha 17 anos, ainda estava no colégio. Acabamos nos cruzando nas férias”, conta Antonio, aos 85 anos, com sua característica voz grave.

“Começamos a namorar à moda antiga. Não sei como é hoje, mas antigamente era andar de mãos dadas, dançar, ir aos bailes quando os pais deixavam…”, fala, fazendo menção às serenatas que fez para sua amada, cantando a plenos pulmões pelas ruas de Itararé. A canção favorita do casal era Laura, composição de David Raksin que estourou 1945. “Acabou dando certo! Casamos em 1962. Este mês, fizemos 59 anos de casados. E no próximo ano, fazemos 60!”, comemora.

Antonio e Graciema prosperaram: moraram em diversos países e rodaram o Brasil a trabalho. Ele se tornou um engenheiro famoso – tanto que chegou a ocupar interinamente o cargo ministro de Minas e Energia. Ela construiu a carreira como professora primária e arquiteta inquieta. Eles tiveram três filhos juntos, se aposentaram e agora paparicam três netos em Curitiba. 

Há três anos, Antonio começou a fazer aulas de música como hobby e presenteou Graciema, na ocasião de seus 79 anos, com uma gravação de Laura, canção que talvez você já tenha ouvido na voz de Sinatra.

Amor & trabalho

Conversei com Antonio por telefone, durante um programa bem curitibano: tomar sol no Passeio Público. O papo me fez boa companhia. A certa altura, ele me contou que não era a primeira vez que vivia em Curitiba.

— Eu e a Graciema moramos em São Paulo de ’62 a ’64. Depois, viemos pra Curitiba, onde nasceu o nosso filho mais velho. Eu dei aulas na escola de Engenharia da Universidade Federal do Paraná, junto com o professor Parigot de Souza. Conhece?
— Claro, é nome de rua, rs.
— Eu tô bem vivo, mas vários dos meus companheiros já viraram nomes de rua, rs.

Quis saber dos próximos passos de Antonio e descobri que foram largos: ele se mudou primeiro para Washington, onde atuou como especialista em recursos hídricos na Organização dos Estados Americanos (OEA). “Fiquei um ano e meio e vim pro Rio de Janeiro trabalhar na Eletrobras”, resgata. Por lá, ele assumiu a diretoria. “Do Rio, fui pra Brasília trabalhar no Ministério de Minas e Energia. O próximo destino foi Quito, no Equador, onde fui diretor da Olade [Organização Latinoamericana de Energia]. Aí eu voltei pra Washington e trabalhei até ’98 para o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento].”

30 anos depois da primeira estadia, Antonio se aposentou pelo BID e comprou passagens só de vinda para Curitiba. “Em Washington, eu e Graciema éramos frequentadores assíduos do Kennedy Center, onde há várias manifestações artísticas, como apresentações de orquestra e de ópera”, relembra. Na década de ’90, o casal viu um concerto da Camerata de Curitiba em terras estadunidenses, patrocinado por Rafael Greca e Jaime Lerner. A memória do espetáculo foi decisiva no processo de escolha da cidade onde eles gostariam de viver. “Eu tinha um apartamento em Brasília, mas pensei: do ponto de vista cultural, podemos nos mudar tranquilos para Curitiba. E não nos arrependemos, somos felizes aqui até hoje.”

Amor & música

“Depois da aposentadoria, eu fiz várias consultorias para não ficar parado. Quando cansei, comecei a procurar uma outra atividade”, diz Antonio. Foi aí que ele decidiu se matricular na escola Paideia.

“Comecei a me apresentar nos espetáculos da própria escola. Isso me encorajou a cantar de forma organizada e bem treinada”, explica, frisando que o fôlego já não é o mesmo da época das serenatas. “Agora eu aprendi a técnica e já não é preciso fazer tanto esforço quanto eu fazia na rua. Cantar não é uma coisa que se possa sair fazendo sem orientação nem sem esquentar.”

O próximo passo foi investir nas gravações. “Estreei gravando para o aniversário da minha esposa. Fiz uma homenagem a ela. E aí eu precisava de alguém que me acompanhasse. Alguém que conhecesse Laura era impossível, porque as músicas que eu cantava na juventude já não são mais tocadas, rs. Mas encontrei músicos apaixonados por jazz que entenderam exatamente o que eu queria.”

O repertório de três músicas foi tocado por André Collini (piano) e Márcio Saugo (violão). “O simbolismo que eu estava tentando dar às três músicas era o seguinte: Laura era um negócio assim de mistério, expectativa. Época de namoro é mais ou menos isso, né? A gente ainda não sabe onde está pisando. A segunda música, Duas Contas, fala de quando você já pode contar com a pessoa, os olhos dela servem de guia. A terceira, The Way You Look Tonight, diz quais são os sinais que você gosta de ver nela… O encantamento, sabe?”

— Quais são os sinais que o senhor gosta de ver na Graciema?
— Gosto da franqueza e do jeito de se vestir. Ela tem muito bom gosto, é uma pessoa interessante. Hoje ela ajuda crianças em situação de pobreza junto com um grupo de amigas. Ela costura roupinhas. Trabalha o dia inteiro, a semana inteira, uma correria danada. Pinta, borda, faz de tudo.
— E o senhor é um eterno apaixonado, rs.
— Por ela?
— Sim, tá aí falando todo faceiro…
— Lógico, rs! Ela é o amor da minha vida, caramba. É a base de tudo. 

Graciema recebeu os presentes por e-mail. Antonio disse que agradou, mas preferiu não se gabar. “Ela gostou – pelo menos me disse que sim, rs.”

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