Vereador de Ponta Grossa que foi investigado por assédio sexual propõe projetos antiaborto 

Para especialistas, os projetos podem dificultar ainda mais o acesso de mulheres ao aborto legal

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A reportagem foi atualizada às 12h35 do dia 8 de março para inclusão de informações.

Na última semana de fevereiro, dois projetos de lei (PL) envolvendo o aborto legal passaram a tramitar na Câmara Municipal de Ponta Grossa, no centro-sul do Paraná. De autoria do vereador Felipe Passos (PSDB), que chegou a ser processado por assédio sexual, mas absolvido, os PLs reproduzem o discurso antiaborto, que ganhou fôlego recentemente no Brasil.

Segundo especialistas ouvidas pelo Plural, as propostas podem dificultar ainda mais o acesso de mulheres ao procedimento abortivo respaldado pela legislação, ou seja, em casos de gravidez por estupro, risco à vida da gestante ou fetos com anencefalia.

O que dizem os projetos

O PL 037/2023 visa “equiparar a gestante vítima de abuso sexual à gestante de risco” para assegurar o direito à realização de exames de ultrassonografia.

Conforme a proposta, caso a mulher opte pela interrupção da gravidez, o profissional de saúde deve sugerir a realização de uma ultrassonografia prévia ao procedimento abortivo e pode recomendar que a gestante “escute os batimentos cardíacos do nascituro [termo jurídico usado para designar o ente concebido, mas que ainda não nasceu]”.

Como justificativa para o projeto, Passos fala sobre a situação de vulnerabilidade psicológica em decorrência da violência sofrida pela mulher que pode ocasionar distúrbios alimentares e depressão. E continua: “Ademais, por consequência da ausência paterna, torna-se mais complicado para os médicos realizarem exames importantes, para melhor acompanhamento da gestação e execução do parto, resguardando a saúde da mulher e do nascituro.” 

Já o PL 038/2023 dispõe sobre a “obrigatoriedade de afixação de placas ou cartazes educativos sobre os procedimentos de aborto legal nas unidades hospitalares públicas e privadas” de Ponta Grossa.

De acordo com a proposta, os cartazes, que devem ser fixados nos locais onde o aborto é realizado e em consultórios médicos, precisam ter: “explicação pormenorizada de cada tipo de procedimento abortivo, com ilustrações representativas”; “os danos físicos e psicológicos que o procedimento poderá ocasionar para a gestante”; “qual o destino do nascituro após a realização do procedimento”.

O texto expõe que o objetivo do projeto é conscientizar as gestantes “a respeito dos riscos e consequências oriundos desta decisão, provendo mais recursos para que se sua escolha pela manutenção ou não da gravidez seja feita com maior lucidez possível”. 

Atualmente, os PLs aguardam parecer da Comissão de Legislação, Justiça e Redação, que tem até o dia 21 de março para se manifestar. 

Problemas

Para a professora de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora da Clínica de Direitos Humanos – projeto de ensino, pesquisa e extensão com foco em temas interdisciplinares em direitos humanos – Taysa Schiocchet, o grande problema das propostas é que elas são dissimuladas, no sentido de afirmar que se prestam a uma finalidade, quando na verdade essa finalidade não é atendida. 

“Há uma dissonância muito clara entre o que visa esses projetos e aquilo que eles colocam. Eles parecem bons no início, querendo dar visibilidade para a temática do aborto. Parecem ser algo importante e desejável (utilizando as palavras ‘conscientizar’, ‘plenamente seguras’). Mas, é perceptível que o vereador quer enfatizar apenas o risco do procedimento abortivo, e isso dissuadia a mulher. Do ponto de vista da bioética, a gestante deve estar ciente dos riscos que o aborto pode causar, mas é preciso falar sobre os benefícios também.”

Na opinião da docente, tanto os materiais educativos quanto os procedimentos médicos (como exames de ultrassom) defendidos pelo vereador nas propostas devem ser condizentes com as práticas médicas e éticas estabelecidas pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Temos que especificar que tipo de ilustrações serão utilizadas nos cartazes e o ‘destino do nascituro’ é uma informação que deve estar no termo de consentimento, não em pôsteres. Além disso, qual a razão clínica de a mulher ter de escutar os batimentos cardíacos? Não tem nenhum respaldo bioético. É amplamente difundido pelas boas práticas médicas que fazer uma mulher escutar os batimentos cardíacos de uma gestação que ela quer interromper pode ser equiparado à tortura”, afirma.

De acordo com Taysa, de forma técnica, as propostas sugeridas por Felipe Passos ainda poderiam esbarrar na inconstitucionalidade por gerarem uma despesa ao Executivo, o que significa que elas deveriam partir do Executivo (e não da esfera municipal) e indicar de onde viriam os recursos para executá-las.

Assim como Taysa, a psicóloga da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, Emilia Senapeschi, questiona a intenção dos projetos e vê com preocupação possíveis consequências que podem ser geradas caso eles sejam aprovados. 

“Eles são totalmente pautados na criminalização e punitivismo das mulheres e pessoas com capacidade de gestar. O acesso ao aborto legal já não é fácil e esses projetos podem dificultar ainda mais. O vereador faz como se as propostas fossem acrescentar na regulamentação sobre aborto, mas o que ele pauta é mais uma dificuldade, mais uma barreira.”

Para Emilia, os procedimentos descritos nos projetos poderiam se assemelhar a técnicas de tortura, uma vez que fazem a mulher (muitas vezes vítima de estupro) passar novamente pelo trauma, situação conhecida como revitimização. A psicóloga também pontua a necessidade de detalhar a linguagem que seria empregada nos materiais educativos previstos pelo PL 038. “Sim, precisamos investir em informação e comunicação em saúde, mas isso não deve ser feito pela linha do punitivismo, do medo. Políticas públicas de saúde se constroem com embasamento na ciência e nos direitos humanos, e não em convicções conservadoras, fundamentalistas e religiosas.”

Uma das principais consequências diretas de projetos de lei como os propostos por Felipe Passos, segundo a psicóloga, é proporcionar a possibilidade dos profissionais de saúde ou de segurança invocarem a objeção de consciência – que é a invocação de uma obrigação ou proibição, fundada na convicção religiosa, política, ética ou moral do indivíduo, como escusa para que este não cumpra um dever imposto por lei.

Nesses casos de recusa, a mulher deve ser atendida por outro profissional ou serviço que garanta a efetivação da interrupção da gestação.

Histórico

Esta não é a primeira vez que Felipe Passos tenta legislar sobre o tema na Câmara de Ponta Grossa. Existem pelo menos outras quatro proposições do vereador envolvendo o aborto. Ainda em 2023, Passos propôs instituir o “Dia Municipal do Nascituro” e a “Semana do Nascituro”, em que seriam realizados “seminários, palestras, panfletagens e cursos informativos a respeito da vida e dignidade do nascituro” e “o reconhecimento público de entidades que atuem na luta contra o aborto e em defesa da vida”.

Esta última proposição é bastante similar com outra de 2021 em que o vereador defende a criação da “Semana pela Vida“. Durante o período, seriam feitas “campanhas publicitárias e informativas contra a prática do aborto” e oferecidas “orientações dos malefícios do aborto à mulher, sem qualquer promoção da prática ou de seus supostos benefícios ou facilidades”. 

O tema também não passou batido no primeiro mandato de Passos como vereador (2017-2020). Em 2018, a partir do PL 264/2018, o parlamentar visava instituir a “Campanha de Proteção ao Nascituro e às Gestantes” com o intuito de “proteger a gestante e o nascituro contra os riscos do abortamento”. 

O texto apresentado por Passos prevê a “conscientização da mulher sobre o risco do aborto e a defesa da fase inicial da vida” e o incentivo à elaboração de programas de amparo às vítimas de abuso sexual “promovendo o bem-estar psicológico dessas mulheres, nos limites de sua decisão pessoal, até o nascimento da criança”.

Todos os projetos permanecem em trâmite na Câmara de Ponta Grossa.

Quem é Felipe Passos

Felipe Passos tem 33 anos e é formado em Automação Industrial pela Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR). Está no segundo mandato como vereador de Ponta Grossa. Em 2022, foi candidato a deputado estadual no Paraná pelo PSDB e eleito suplente.

Em 2021, Passos começou a ser investigado por supostas práticas de “rachadinha” e assédio contra servidores do gabinete e da prefeitura de Ponta Grossa. Segundo a denúncia do Ministério Público Paraná (MP-PR), além de exigir dinheiro, bens e pagamentos indevidos para indicar servidores, o parlamentar teria assediado moralmente e sexualmente servidores públicos. Felipe Passos foi absolvido das acusações de assédio e a ação foi julgada improcedente.

Ao Plural, o advogado de Felipe Passos, Fernando Madureira, informou que o vereador “jamais foi condenado por qualquer crime” e que “as acusações de assédio sexual e da prática de ‘rachadinha’ não têm lastro probatório e são oriundas de perseguição política realizada por pessoas inescrupulosas que tentam prejudicar o parlamentar e acabaram induzindo em erro o representante do Ministério Público”. 

Felipe Passos foi procurado pela reportagem, mas não houve retorno.

Nota da defesa

“Com relação á matéria vinculada informando que o ‘Vereador de Ponta Grossa investigado por assédio sexual propõe projetos antiaborto’ merece ser esclarecido que o Vereador Felipe Passos autor do referido projeto de lei jamais foi condenado por qualquer crime.

O recebimento da denúncia pelo poder judiciário não quer dizer que o Vereador Felipe Passos é culpado e sim o início do processo onde terá a oportunidade de provar a sua inocência.

As acusações de assédio sexual e da pratica de “rachadinha” contra o Vereador não têm lastro probatório e é oriunda de perseguição política realizada por pessoas inescrupulosas que tentam prejudicar o parlamentar e acabaram induzindo em erro o representante do Ministério Público. 

Ressalte-se que na ação de improbidade administrativa movida pelos mesmos fatos contra o Vereador foi julgada improcedente tendo sido inocentado da suposta acusação de assédio.

Quanto ao Projeto de Lei apresentado pelo Vereador houve interpretação equivocada do seu conteúdo e o mesmo se coloca a disposição para aprofundar a discussão sobre o tema.”

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