Vivian Gornick tem uma habilidade fora do comum para dizer o que pensa

Todavia publica livro de memórias em que a escritora fala de sua relação com outras pessoas, conhecidas e desconhecidas, e com Nova York

“Afetos ferozes”, de Vivian Gornick, ficou famoso por ter sido eleito o melhor livro de memórias dos últimos 50 anos, nos Estados Unidos. A lista é de 2019 e foi produzida pelos críticos do New York Times. Nesse livro, a escritora fala de si, da mãe e da experiência de crescer em Nova York. Agora, a Todavia publica “Uma mulher singular”, um livro que pode, de várias formas, ser considerado uma continuação de “Afetos ferozes”.

Em “Uma mulher singular”, Gornick também fala um pouco da mãe e bastante de Nova York, entre vários outros temas. Ela faz, por exemplo, um comentário extremamente breve e lúcido sobre Freud: é um parágrafo de apenas 11 linhas que termina com: “O que Freud achava mais difícil de curar em seus pacientes era a resistência a ser curado”. E é assim que Vivian Gornick opera, com frases certeiras sobre questões que têm a ver com amizade, amor e a cidade. São outros afetos, não tão ferozes. 

Vivian Gornick

Mas há um tema de destaque em “Uma mulher singular”. A forma como Gornick se relaciona com outras pessoas, sejam elas amigas, amantes ou completos desconhecidos.

Desse rol, a escritora se esmera ao falar de Leonard, um amigo querido (gay e “sofisticado”) que aparece na primeira cena do livro: “Leonard e eu estamos tomando café num restaurante em Midtown” (a tradução é de Heloisa Jahn). Com Leonard, ocorre uma espécie de encontro de almas. Os dois têm uma forma parecida de enxergar o mundo, que não é lá muito otimista. É por isso que eles se dão bem quando estão juntos, mas é também a razão para não se verem com tanta frequência.

“O problema é que nós dois temos tendência a ser negativos”, escreve Gornick. “Seja qual for a circunstância, para nós o copo está perpetuamente semivazio. Ou Leonard está com uma sensação de perda, fracasso, derrota – ou eu é que estou. Não conseguimos evitar. Gostaríamos que não fosse assim, mas é desse modo que a vida se apresenta para cada um de nós: e o modo como a vida se apresenta é inevitavelmente o modo como a vida é vivida.”

Uma mulher singular

Gornick tem um senso de humor sutil, que ela sabe usar bem – uma coisinha de nada só para você entender que, apesar de ser negativa, isso não significa que ela não se divirta. Como quando ela diz que existem dois tipos de amizade. “Aquelas nas quais as pessoas estimulam uma à outra e aquelas nas quais as pessoas precisam estar estimuladas para ficar uma com a outra. No primeiro tipo, a pessoa quebra qualquer galho para encontrar a outra; no segundo, precisa procurar um espaço livre na agenda.”

O estilo de Gornick é nítido, sem floreios, e ela tem uma habilidade fora do comum para dizer o que pensa. Seu segredo aqui é escrever de um jeito sedutor mesmo quando está de mau humor. No fim, fica claro que Gornick é uma companhia estimulante. E você quebra qualquer galho para ficar com ela. 

Livro

“Uma mulher singular”, de Vivian Gornick. Tradução de Heloisa Jahn. Todavia, 144 páginas, R$ 64,90. Memórias. 

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