Denis Johnson cria cenas e personagens com pouquíssimas palavras

Nos contos de "Filho de Jesus", diálogos são importantes e basta uma frase para um mundo inteiro vir a reboque

Nos contos de Denis Johnson (1949–2017), fica evidente a mão boa que o escritor tinha para criar uma cena qualquer – que pode ser tensa, engraçada, deprimente – em pouquíssimas palavras. Às vezes, basta uma frase dita por um personagem para um mundo inteiro vir a reboque. Esse é um efeito que acontece algumas vezes ao longo das 11 histórias de “Filho de Jesus”, publicado pela Todavia.

Denis Johnson

“Você quer dizer que matou ele?”, diz um cara na abertura do conto “Dundun”. E o outro responde: “Foi sem querer”. Os diálogos são importantes para Denis Johnson e a tradução de Ana Guadalupe aceita os desafios impostos pelo autor. Como se sabe, o português falado é muito diferente do escrito, e essa caraterística torna a tradução de falas um negócio particularmente complicado. Na frase que abre este parágrafo, a construção “matou ele” seria barrada pela maioria dos revisores. Uma saída mais correta, do ponto de vista gramatical, seria “Você quer dizer que o matou?”. Mas não é assim que as pessoas falam.

“Filho de Jesus”

Sim, você pode dizer que “Filho de Jesus” quebra um punhado de regras gramaticais, mas faz isso para criar um efeito literário. E funciona. Até porque você não imagina as figuras deprimentes retratadas por Johnson (sujeitos viciados em heroína ou em qualquer outra droga a que tenham acesso, como é o caso dos funcionários do hospital no conto “Emergência”) tendo discussões gramaticalmente corretas.

Todavia

Vários personagens do livro são, como diria minha avó, “largados na vida”, gente sem grana nem perspectiva, que passa o dia no bar ou procurando encrenca. Em alguns casos, são homens que vivem experiências extremas, saindo ilesos de acidentes graves (“Desastre de carro no meio da carona”); em outros, estão chapados demais para fazer qualquer coisa direito (como no já citado “Emergência”); ou preferem ficar chapados para transar, depois comer um bife e passar mal no banheiro (“Trabalho”). Na maior parte do tempo, eles não têm dinheiro para beber ou bebem até ficar sem dinheiro.

Livro

“Filho de Jesus”, de Denis Johnson. Tradução de Ana Guadalupe. Todavia, 112 páginas, R$ 59,90. Contos. 

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