“Triângulo da tristeza” explode milionários e é ótima diversão

Filme do sueco Ruben Östlund tem algumas boas ideias e divide opiniões, mas é inevitável

Os fãs (e os detratores) de Ruben Östlund podem se preparar para uma overdose do cineasta sueco nos cinemas brasileiros. Acaba de estrear “Triângulo da tristeza”, um Ruben Östlund de três horas que carrega na bagagem uma Palma de Ouro em Cannes (a segunda do diretor) e três indicações ao Oscar (filme, direção e roteiro). 

“Triângulo da tristeza” apresenta, como de costume na obra do diretor, uma pauta com alguns dos temas mais debatidos da atualidade, que incluem o mundo da moda e dos influenciadores digitais, o universo dos milionários, a distância e a diferença (ou indiferença) entre as classes sociais. Não há esperança para a humanidade, parece querer dizer Östlund nessa sátira excessiva.

“Triângulo da tristeza”

O cineasta está se aperfeiçoando cada vez mais em dividir opiniões. Ele faz sua análise e sua crítica de uma maneira impiedosa, buscando levar os personagens e as situações ao limite. O primeiro sucesso do diretor foi “Força maior” (2014), filme que chegou perto de ser um consenso. Nele, Östlund parece mais contido e sua visão sobre a decadência e a perda de sentido da masculinidade no Ocidente funciona e é cruel. Porém, há uma bem-vinda empatia com o “chefe da família”, que começa a ter consciência que sua imagem de “macho provedor e protetor” está se desintegrando diante da mulher e dos filhos. 

Em 2017, veio “The Square – A arte da discórdia” (sua primeira Palma de Ouro), em que a arte contemporânea e seus ricos financiadores ficam sob a lupa do diretor. Também estão em pauta a decadência da Europa e a tensão cultural entre europeus e imigrantes (refugiados ou não). É o melhor filme do diretor: potente, estimulante, reflexivo e os temas da vez são apresentados de forma engenhosa, nada forçada. Mas parte da plateia não gostou e acusou o diretor de ser cínico e pretensioso.      

“Cinema de arte”

E, em 2022, temos “Triângulo da tristeza”. Realizado em inglês, o filme é um sucesso no circuito alternativo. Dessa vez, Ruben Östlund extravasa, para a delícia de seus admiradores e para a irritação (e enfado, talvez) dos que o desqualificam. É o pior dos três filmes mais famosos que ele fez. No entanto, é impossível ignorá-lo. Goste-se ou não, bom ou ruim, não importa: é realmente uma das caras do “cinema de arte” da safra atual.

Na primeira parte da história, conhecemos o jovem casal de modelos Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean). Com eles, Östlund faz sua primeira, e acertada, crítica. O alvo é o mundo das passarelas e das grifes. Carl e outros rapazes fazem alguns testes (mostrando os corpos e a “atitude”) para serem contratados por uma marca famosa. O grupo de meninos passa por situações ridículas e humilhantes e é “avaliado” por uma equipe de pessoas intragáveis, que nem se importam de dizer na frente de um candidato que ele não serve porque é “muito comum”.

Influencer

Já Yaya é uma modelo razoavelmente bem-sucedida, que também ganha dinheiro como influencer de Instagram. E o que não faltam são fotos com caras e bocas, além de bicos, que logo são publicadas na rede social e curtidas por milhares de pessoas que querem ser como ela e ter um namorado como o dela. Aliás, o romance dos dois é um pouco de mentira, uma fantasia para vender aos seguidores. 

Em seguida, Östlund aborda mais um tema de sua pauta, a partir de uma briga do casal, causada pela confusão sobre quem pagará a conta em um restaurante elegante. Ela, que tem mais dinheiro, espera que o namorado pague a conta, pois, claro, ele é o homem, o que resulta em um debate sobre as obrigações masculinas e o que se espera dos homens e das mulheres em uma relação. A sequência é engraçada (Carl está à beira de surtar), mas esses momentos parecem um pouco “fora do lugar”, porque o tema surge do nada, resultando forçado. O diretor não consegue esconder que está só abrindo espaço no roteiro para incluir um tema polêmico, soando artificial.

Muito ricos

A segunda parte do filme se passa em um pequeno navio de luxo, exclusivo para pessoas muito ricas. Carl e Yaya só estão no cruzeiro porque ganharam a viagem de alguma empresa de alta costura ou qualquer coisa desse ramo. Estão a bordo porque são belos. 

Claro que Rubens Östlund apresenta os viajantes, de um modo geral, como um grupo de pessoas odiáveis, que vivem em um mundo à parte, como o bilionário russo Dimitry (Zlatko Buric), com sua constante expressão zombeteira, e sua irmã Vera (Sunnyi Melles), uma figura cuja arrogância e soberba são tão imensas a ponto de fazê-la parecer uma pessoa desequilibrada. Ela é capaz de obrigar toda a equipe de trabalhadores do navio a deslizar da embarcação ao mar em um tobogã, por puro deboche. Também encontramos um casal de idosos ingleses, extremamente delicado e educado. Os dois ficaram bilionários produzindo granadas de altíssima qualidade que são utilizadas, inclusive, em guerras civis e por piratas africanos.  

Boas ideias

Há também o capitão do navio (Woody Harrelson), constantemente alcoolizado. Ele é americano e se diz comunista. E há algumas boas ideias aqui, sobretudo quando Östlund cria uma disputa entre o capitão e Dimitry: o americano comunista e o russo capitalista pesquisam na internet frases de famosos ideólogos e políticos de suas respectivas ideologias, tentando um convencer o outro de suas visões de mundo. São bêbados camaradas que não sabem o que estão dizendo.   

No ponto culminante da sequência do navio, o diretor transforma o jantar especial do capitão em uma verdadeira orgia de comida e bebida que, em meio ao balanço da embarcação durante uma tempestade, acabará, na verdade, em uma repugnante orgia de vômitos e excrementos. 

Ruben Östlund perde completamente a sutileza e não poupa personagens, como a insuportável Vera, que passa muito mal e se transforma em uma massa envolta em fezes e vômitos. O diretor não perdoa essa mulher, que representa todo um grupo que ele provavelmente odeia. E, quando o pior acontece com ela, o espectador não sente nada. A atriz Sunnyi Melles, que interpreta Vera, foi corajosa: seu rosto retorcido enquanto vomita ostras e champagne ficará marcado na mente do espectador por algum tempo.  

Sobrevivência

A parte final do filme se passa em um ambiente completamente diferente. A lógica das classes sociais muda e o que conta é a habilidade em garantir a sobrevivência. É mais uma “aula de sociologia” de Ruben Östlud. Mas ele tem um trunfo. Nessa sequência, surge uma nova personagem, que tinha sido vista apenas de relance nas cenas do navio. Trata-se da camareira filipina Abigail (Dolly DeLeon), uma leoa quando as estruturas sociais desmontam. Sua personagem é uma grande sacada do diretor, e ela tem alguns dos melhores momentos do filme, além de uma grande crise moral.

Excessos

“Triângulo da tristeza” é feito de excessos que se estendem por muito tempo, e seria insuportável se o diretor não fosse Ruben Östlund. O trabalho do cineasta é, inegavelmente, de extrema qualidade técnica: a fotografia, o uso da música pop eletrônica pulsante e a direção de atores.  

Trata-se de uma ótima diversão, gostemos ou não das opiniões e lições do diretor, de sua falta de sutileza e de sua pretensão. Melhor é assistir ao filme sem julgar o cineasta. Danem-se suas pretensões. Assista ao filme por puro prazer cinematográfico criado por um talentoso provocador e divirta-se vendo os milionários serem literalmente explodidos.

Onde assistir

“Triângulo da tristeza” está em cartaz nos cinemas.

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