Tinta-da-China Brasil ganha novo fôlego com a Quatro Cinco Um

Associação sem fins lucrativos que publica a revista “Quatro Cinco Um” planeja um futuro auspicioso para a irmã brasileira da editora lisboeta

Uma reviravolta na história da Tinta-da-China Brasil promete desdobramentos de tirar o fôlego (pelo menos para quem gosta de livros). A começar agora, a Associação Quatro Cinco Um, que publica a revista literária “Quatro Cinco Um” e organiza A Feira do Livro, em São Paulo, passa a responder pela filial brasileira da editora portuguesa independente.

Para marcar a nova fase, a Tinta-da-China Brasil acaba de publicar quatro títulos que dão uma boa ideia do perfil da editora. Há crônicas de humor e de política, ensaio histórico e ficção (mas essa também, baseada em fatos). Logo, haverá títulos de poesia, mais ficção, mais história e contos. E arrisca aparecerem livros de viagem.

Paulo Werneck, um dos diretores da Associação Quatro Cinco Um, contou ao Plural que, por ser um braço da Tinta-da-China portuguesa, de saída, ele tem à disposição um bom catálogo de livros para escolher o que publicar primeiro. “Os textos originais costumam viajar [para o Brasil] melhor do que as traduções, mas vamos fazer as traduções aqui, se for preciso”, diz.

A primeira leva de quatro livros tem apenas uma tradução e três originais em português – dois de Portugal, um do Brasil.

Tinta-da-China Brasil

“Flores de verão” é um clássico de Tamiki Hara (1905–1951) sobre a experiência da bomba atômica. Com tradução de Jefferson José Teixeira (um grande tradutor do japonês, que já verteu ao português autores como Jun’Ichiro Tanizaki e Haruki Murakami), o livro tem um design incrível. A capa preta reproduz em relevo uma vista aérea de Hiroshima depois da bomba. Enquanto a foto que inspirou a capa aparece logo na primeira página.

“Produziu-se um clarão, e com um ruído leve e sibilante, feito magnésio queimando, tudo virou de ponta-cabeça…”, pode, tranquilamente, figurar entre as descrições mais impressionantes da explosão. Apesar de sua importância evidente, “Flores de verão” nunca tinha sido publicado no Brasil. Até agora.

Bastidores  

“A Tinta-da-China deu voz a uma geração pós-Salazar”, diz Werneck. Criada em 2005, a casa lisboeta abriu uma filial no Brasil em 2012, no Rio de Janeiro. Com 47 títulos publicados em dez anos no país, a diretora Bárbara Bulhosa, fundadora da Tinta-da-China com um grupo de colegas que conheceu na faculdade de História, decidiu encerrar os trabalhos no Brasil.

Mas, em vez de simplesmente fechar a editora, arrumar as malas e ir embora, ela teve uma ideia: doar a editora para uma ONG. Foi assim que a Associação Quatro Cinco Um, que promove o livro no Brasil e não tem fins lucrativos, assumiu a Tinta-da-China Brasil.

A ideia de Werneck é ir além do catálogo português da editora e publicar autores brasileiros que reflitam bem o país que é mais negro do que branco, que é mais latino-americano do que europeu.

Paulo Werneck descobriu um bocado sobre o mercado editorial trabalhando com Augusto Massi na Cosac Naify. Uma das coisas que aprendeu foi “a fazer o livro de maneira mais artesanal, mas sem dispensar as ferramentas digitais”, diz. É assim que ele espera trabalhar na Tinta-da-China Brasil.

Artesanal

Por artesanal, ele explica que pretende fazer livros que tenham personalidade e beleza, e que não sejam produzidos às pressas para chegar rápido ao mercado e atender a qualquer demanda do momento.

Assim, pode-se dizer que a Tinta-da-China Brasil tem um pouco daquele espírito da Cosac Naify, de livros feitos para quem gosta de livros. São pessoas que percebem, por exemplo, que as pontas de um volume foram refiladas para que ficassem arredondadas. Que há alguém por trás daquele livro-como-objeto, que pensou aquele livro.

Nos quatro títulos lançados há pouco, fica claro que eles têm uma identidade, não só visual, mas também de conteúdo. E um diálogo entre a forma e o conteúdo.

(De fato, “Flores de verão”, por exemplo, tem as pontas arredondadas, uma característica que faz parte do design desenvolvido por Isadora Bertholdo. Esse design aparece também no ensaio histórico “O pequeno livro do grande terremoto”, de Rui Tavares, sobre o abalo sísmico ocorrido em 1755, em Portugal.)

Na capa

Outra qualidade que marca as edições da Tinta-da-China Brasil é o design de capa feito por Vera Tavares. Ela responde pelas capas dos dois livros de crônica: o de política feito por Paulo Roberto Pires, “Diante do fascismo”; e o de humor (e política e mais um monte de coisas) feito por Ricardo Araújo Pereira, “Estar vivo machuca”.

Pires é editor da revista “Serrote”, publicada pelo Instituto Moreira Salles. Na revista “Quatro Cinco Um”, ele escreve sobre literatura e sociedade, e inevitavelmente sobre política. O livro prefere as crônicas políticas e mostra uma análise criteriosa sobre o Brasil pós-2018.

Embora seja português, Ricardo Araújo Pereira escreve bastante sobre o Brasil, inclusive sobre a política brasileira, mas não é regra. Tem vezes que ele prefere falar de redes sociais ou de filmes do Rambo. Mas sempre com bom-humor. RAP, como é conhecido, é colunista da “Folha de S.Paulo”.

Granta

Nas próximas semanas, a Tinta-da-China Brasil publica a mais nova edição da revista “Granta”. Trata-se de uma revista literária famosa. Sua versão britânica revelou meio mundo de escritores importantes, Ian McEwan e Kazuo Ishiguro entre eles.

Há mais de uma década, a revista era publicada no Brasil pela Alfaguara. Agora, a Tinta-da-China assume a responsabilidade e cria uma equipe luso-brasileira com os editores Pedro Mexia em Portugal e Gustavo Pacheco no Brasil. Ambos são escritores de mão cheia: Mexia na crônica e Pacheco no conto.

Aliás, é algo curioso que a Tinta-da-China se dedique a publicar cronistas portugueses, mostrando que o país de Saramago manda bem no mais brasileiro dos gêneros literários.

A primeira edição da nova fase da “Granta” terá como tema a Rússia (definido antes de explodir a guerra na Ucrânia). Elif Batuman e Ludmila Ulitskaya estão entre os nomes dessa edição.

Tinta-da-China Brasil

Para conhecer o catálogo da editora, acesse o site aqui.

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