“Sem ursos” é suspense de primeira contra leis e costumes do Irã

Em cartaz no Cine Passeio, filme fala de cineasta que enfrenta um problema bizarro numa aldeia iraniana perto da fronteira com o Iraque

“Sem ursos” é mais uma daquelas proezas narrativas do cinema iraniano em geral e do cineasta Jafar Panahi em particular. Com muito pouco, o diretor e roteirista cria uma história carregada de suspense – criticando as leis e os costumes que regem o governo do Irã, seu país de origem – que consegue ser também um cinema de primeira categoria. 

Mas, nesse contexto, o que significa pouco? Significa que a produção é tão simples e discreta quanto a casa que o protagonista de “Sem ursos” aluga numa aldeia perto da fronteira com o Iraque. 

Esse protagonista é um cineasta chamado Jafar Panahi. Assim como o Panahi da vida real, o do filme também é perseguido por se opor ao governo iraniano. Entre as pistas que a história dá, o cineasta dentro do filme está sem passaporte porque foi proibido de deixar o país. É possível também que esteja proibido de filmar no Irã, o que explica o fato de sua equipe estar gravando no Iraque. Uma equipe que ele coordena à distância, com chamadas de vídeo (também é por meio dessas chamadas que ele acompanha as gravações do filme).

Sem ursos

Embora esse recurso de amarrar a ação do filme em fatos, usando inclusive os nomes reais dos atores envolvidos, possa parecer meio afetado, Panahi é habilidoso demais para cair na afetação. E é essa habilidade que torna seus filmes tão particulares. 

Nas histórias que conta, ele usa a si mesmo e se inspira nos fatos da própria vida porque esses fatos, na prática, limitam sua existência. Proibido pelo governo iraniano de sair do país e de filmar no Irã (uma proibição que vai e vem de acordo com o humor dos aiatolás), ele cria a história de um cineasta proibido de sair do país e de filmar no Irã. Claro que não é tão simples assim, mas o ponto de partida é esse.

Enquanto o Jafar Panahi da vida real conseguiu permissão para sair do Irã e hoje está na França, visitando a filha, de acordo com notícias recentes, o Panahi de “Sem ursos” se envolve num problema bizarro dentro da aldeia onde está morando. Uma jovem tinha sido prometida para um homem desde o nascimento (dizem que “o cordão umbilical dela foi cortado para ele”) e o problema é que ela está apaixonada por outro e espera escapar com esse outro para o Iraque. (Aparentemente, o fascínio exercido pela fronteira com o Iraque não é pequeno na região.) 

Jafar Panahi

Então começa a correr pela aldeia o boato de que Panahi teria fotografado o casal de fugitivos à sombra de uma nogueira. Ao saber disso, o xerife da aldeia (sim, eles têm xerifes, que representam a lei, mas eles são bem diferentes dos xerifes do velho oeste americano) intervém pedindo que Panahi apresente a foto. Com ela, o xerife e a aldeia poderiam julgar o rapaz que está tentando roubar a mulher que tinha sido prometida para outro.

Daqui em diante, a confusão e tensão causada pela história só aumenta. Ao mesmo tempo, o Panahi personagem conduz as gravações de um filme no Iraque que fala sobre intelectuais que tentam comprar passaportes falsificados para escapar do país. É um filme dentro do filme, feito por um cineasta chamado Jafar Panahi, que é interpretado pelo próprio Panahi.

Sem dúvida, esses jogos metalinguísticos são uma parte do encanto de “Sem ursos”, mas estão longe de ser a razão de ser do filme. O que move a história e parece mover Panahi é uma disposição enorme de criticar as leis e os costumes que regem o Irã.

Onde assistir

“Sem ursos” está em cartaz no Cine Passeio com uma sessão diária às 13h15.

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