Pressionado por movimento negro, Troféu Gralha Azul pode passar por mudanças

A cerimônia de entrega da 40ª edição da premiação foi marcada por manifestações, seguidas por reclamações nas redes sociais, e o Sated/PR promoveu uma reunião aberta para discutir o tema

Pressionado pelo movimento negro depois do anúncio dos vencedores deste ano, o Troféu Gralha Azul, mais importante do teatro paranaense, pode passar por uma reformulação para as próximas edições. Nesta semana, o Sated – sindicato que representa artistas e técnicos do meio teatral no estado, fez uma primeira reunião para avaliar a edição 2023 do prêmio e promete uma “nota incisiva” sobre a questão do racismo institucional para os próximos dias.

A temática do racismo surgiu no dia da entrega do prêmio, 11 de dezembro. Peças que tinham temática racial emplacaram várias indicações e pelo menos 12 artistas que se autodeclaram negros foram indicados às categorias do Gralha Azul. Isso levou o movimento negro a participar ativamente da cerimônia de premiação, imaginando que poderia haver um resultado histórico. Não foi o que aconteceu.

O grupo de artistas ligados ao movimento negro, que no início da cerimônia chegou a entrar dançando no teatro, tamanha a felicidade pelas indicações, foi vendo seus finalistas serem derrotados. No final, poucos saíram premiados. Os reflexos começaram já na própria cerimônia. A psicóloga Telma Mello, uma das mais conhecidas militantes antirracistas da cidade, fazia questão de cobrar uma postura diferente do prêmio. A crítica foi adiante e a premiação foi chamada de “Gralha Branca” nas redes sociais.

A disputa entre dois modos distintos de entender qual é o papel de uma premiação deste gênero é antiga. De um lado, há quem defenda que o mérito artístico deveria ser visto como o único critério. De outro, movimentos sociais afirmam que o “mérito” em abstrato é um critério impossível e que é preciso levar outras questões em consideração – incluindo as circunstâncias sociais e políticas que dão contexto à produção cultural.

O Centro Cultural Teatro Guaíra, que organiza o prêmio, emitiu uma nota sobre o tema em que defende o mérito artístico. “Produções e profissionais foram julgados por critérios artísticos, como concepção cênica, dramaturgia, composição do personagem, entre outros, não privilegiando nenhum grupo”, diz o texto.

Por outro lado, o Guaíra afirmou que “reitera seu comprometimento em favor da pluralidade expresso na visibilidade dada à diversidade durante a cerimônia de premiação”, bem como no apoio e suporte, a exemplo: neste ano, disponibilizamos espaços no complexo para 60 grupos cênicos realizarem seus ensaios de forma gratuita”. “Continuamos abertos ao diálogo e trabalhando constantemente para atender as demandas da classe cultural”, diz a nota enviada ao Plural. O Centro Cultural ainda explicou diretamente ao jornal que não é solicitada a autodeclaração racial na inscrição.

Já o Sated, que participa da organização, fez uma reunião aberta sobre a edição 2023 nesta segunda (18). Entre os objetivos da reunião estava “somar forças para que as mudanças desejadas, especialmente sobre as questões de representatividade e descentralização do prêmio, aconteçam efetivamente e não sejam apenas uma narrativa; resgatar e fortalecer o prêmio enquanto manifestação da classe trabalhadora.”

Também em suas redes sociais, em 15 de dezembro, o Sated/PR informou que publicará em breve “uma nota incisiva sobre a questão do racismo institucional, com reforço de proposições de mudanças já para 2024, no edital para formação da comissão julgadora e no edital do prêmio em si, bem como no formato do processo de avaliação das peças e também da cerimônia de premiação”.

Nota do Centro Cultural Teatro Guaíra

“O Troféu Gralha Azul foi criado em 1974 pela então Associação Profissional dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado do Paraná. Oficializado em 1983, pela então Fundação Teatro Guaíra, as entidades copromotoras participaram, ano a ano, da elaboração do regulamento, no qual constam as normas concernentes a este reconhecimento.

Tanto o edital, quanto a análise das inscrições, assim como o evento de premiação em si são realizados, desde então, por meio desta parceria entre o Centro Cultural Teatro Guaíra e o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado do Paraná (SATED/PR).

Considerado um dos mais emblemáticos prêmios teatrais do Brasil, é realizado na modalidade concurso. As inscrições gratuitas e abertas a companhias de todo o Estado ficaram disponíveis de 1º de maio até 05 de novembro nesta 40ª edição. Produções e profissionais foram julgados por critérios artísticos, como concepção cênica, dramaturgia, composição do personagem, entre outros, não privilegiando nenhum grupo.

O Edital 2023 ficou disponível para consulta pública no site do SATED por cinco dias – de 14 a 18 de março. Após este prazo, foi submetido para análise da Procuradoria Geral do Estado do Paraná – PGE, responsável pela análise jurídica do mesmo.

O Teatro Guaíra reitera seu comprometimento em favor da pluralidade expresso na visibilidade dada à diversidade durante a cerimônia de premiação, bem como no apoio e suporte, a exemplo: neste ano, disponibilizamos espaços no complexo para 60 grupos cênicos realizarem seus ensaios de forma gratuita.

Continuamos abertos ao diálogo e trabalhando constantemente para atender as demandas da classe cultural.”

Veja aqui o edital completo do 40º Troféu Gralha Azul.

Colaborou Rogerio Galindo.

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2 comentários em “Pressionado por movimento negro, Troféu Gralha Azul pode passar por mudanças”

  1. Qual o sentido desse tom de “culpabilizar” o movimento negro por essa pressão? Para além do racismo estrutural, o prêmio que é pago é realizado com dinheiro público tem diversos questionamentos que são feitos fazem anos. O racismo institucional foi só a cereja desse bolo. A direção do teatro faz o que quer com o aparelho público que deveria ser democrático e ninguém enxerga. Diversidade fingida e não efetivada na prática! Plural por favor olhem pra o que acontece com um olhar verdadeiramente antiracista. Não dá pra passar pano pra bagunça que tem sido a gestão desse aparelho cultural e desse prêmio.

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