Perfil: Lucas Mota, o escritor “punk” que venceu o Jabuti 2022 com distopia curitibana

Lucas Mota é um ex-missionário apaixonado pelo mundo geek e conquistou o prêmio mais tradicional da literatura brasileira na categoria romance de entretenimento

Quem observa o visual good vibes e a frase final do livro “Capitães da Areia” tatuada no braço de Lucas Mota, não imagina o que está por vir. Embora a obra do baiano Jorge Amado (1912–2001) tenha batido forte no rapaz de 33 anos – a ponto de despertar a vontade de escrever tramas realistas –, ele acabou optando por abraçar a fantasia de ficção científica. E foi com uma história fantástica, chamada “Olhos de Pixel”, que ele venceu o Jabuti 2022 de melhor romance de entretenimento .

O livro eletrônico que garantiu o prêmio conta a história de uma queer em busca do amor do filho adolescente, enquanto decide se enfrentará, ao lado de um hacker, a corporação-igreja que criminaliza a sua existência. O cenário é uma Curitiba cyberpunk.

A distopia pode ser uma pista, mas nem de longe revela algo sobre a vida desse leitor compulsivo e autor determinado que vive em Curitiba há 12 anos. Ele nasceu em Umuarama (PR), mas nunca morou na cidade que faz parte da história da família materna (o avô foi até vice-prefeito). A casa dos pais ficava em Cruzeiro do Oeste, porém o hospital de Umuarama era melhor para garantir o nascimento do filho do pastor maranhense.

Lucas Mota

Sim, seu pai era pastor e a mãe quase foi pastora, completou a formação na congregação que também permite mulheres na liderança, mas optou por não estar à frente da igreja. O caminho mais óbvio era que o filho seguisse os mesmos passos do pai, o que não aconteceu por pouco. Mota foi missionário. Contudo, o chamado era para boas ações na assistência social, e não para converter ovelhas desgarradas ao cristianismo.

A música foi o prólogo da ruptura. Primeiro com o metal em louvor à palavra de Deus da Oficina G3 e, quando começou a dedilhar a guitarra, foi apresentado a Van Halen. Ainda hoje a playlist inclui Pearl Jam, Nirvana, Led Zeppelin, Ramones, Raul, Olho Seco e Sepultura. Vieram também as camisetas pretas, os brincos e o choque com o conservadorismo dos fiéis, a confusão só não foi maior porque ele era protegido pela posição de filho do pastor.

Autor independente

O caminho traçado como escritor independente foi “natural”, segundo Mota. Ele lançou por conta própria “Todos os mentirosos”, direto como livro digital na Amazon, em 2016, e “Boas meninas não fazem perguntas”, livro impresso bancado por financiamento coletivo em 2018. “Olhos de Pixel”, de 2021, foi o primeiro a sair pela Plutão Livros – uma editora pequena que trabalha só com e-books.

Tão natural que ele brinca dizendo “eu sou um punk sujo do Largo”, daqueles que fazia fanzine e distribuía por ali, e que sempre se identificou com o conceito de “do it yourself” (faça você mesmo). A roupa e o cabelo mudaram, mas a fúria e a raiva características da cultura alternativa estão dentro dele e são a motivação para escrever. “Eu faço punk rock sem música”, diz Mota.

A tatuagem que Lucas Mota fez com um trecho de “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. (Foto: Luciana N. Melo/Plural)

Literatura fantástica

A suspeita de estar diante de um supergeek é confirmada pelos gostos e pela postura de Mota. Jogos de RPG são uma de suas atividades preferidas, assim como videogames. Na coleção de quadrinhos, as graphic novels são a preferência que nasceu a partir da leitura de “Maus”, de Art Spiegelman. Muitas séries são maratonadas com frequência e, entre os filmes, dois mostraram para ele que existem formas diferentes de contar uma história: “Batman: O Cavaleiro das Trevas”(2008), de Christopher Nolan, e o cult de Martin Scorsese, “Taxi Driver” (1976).

Quando a conversa envereda para a literatura fantástica latinoamericana, Mota diz ser fascinado por Gabriel García Márquez (1927–2014) e Adolfo Bioy Casares (1914–1999). E cita até Isabel Allende e Laura Esquível. Jorge Amado, como adiantado, é a paixão entre os autores nacionais, tão forte que escolheu gravar na pele a frase: “Porque a revolução é uma pátria e uma família”, tirada de “Capitães da Areia”.

Fantasia e ficção científica

O gosto pela fantasia veio da infância. Em dado momento descobriu, no acervo respeitável da biblioteca dos pais, o que diz ser o livro número um desse gênero entre os crentes: “As crônicas de Nárnia” (1949), escrito por C. S. Lewis e que teria uma analogia com a figura de Jesus no personagem do leão Aslam.

Entre os escritores de ficção científica, respeita os clássicos Aldous Huxley (1894–1963), Arthur C. Clarke (1917–2008), e Isaac Asimov (1920–1992). Mas, no topo de sua lista está uma autora da geração new wave, Ursula K. Le Guin (1929–2018). “Os despossuídos” é o título que indicaria sem hesitar, porque a narrativa fala de uma sociedade anarquista utópica, sem aspectos niilistas ou maniqueístas, com um protagonista que não se identifica com o capitalismo.

Para além dos livros, a generosidade da comunidade da ficção científica e fantasia no Brasil moram no coração dele. Diz que sua carreira de escritor não existiria sem a troca colaborativa que acontece nesse grupo, onde os integrantes compartilham dicas, conhecimento e opiniões sobre leituras de originais inclusive. Nessa mesma pegada, ele coloca no ar dois podcasts sobre literatura, “Suposta Leitura” e “Jornada do Escritor”.

A insegurança

Os agradecimentos pelo sucesso não são direcionados apenas para quem compartilha os gostos e o ofício de Lucas Mota. Foi a motivação que vem da esposa, a designer e quadrinista Gabe Fontes, que não o deixou desistir em vários capítulos da jornada. Contudo, ela chegou na história pouco depois da decisão de interromper as outras atividades para se dedicar profissionalmente à escrita.

Ele tomou a decisão em 2014, mas num ato de malandragem não contou prontamente para os pais. O medo era de que rissem na sua cara ou mandassem procurar um “emprego de verdade”, receio que hoje admite ser infundado. A insegurança era toda dele.

O primeiro da família a saber foi seu irmão, de quem o autor esperava conselhos vindos de outro mundo – de quem vem da Tecnologia da Informação e atualmente trabalha com gestão. Mota passou no teste quando respondeu ao irmão que o plano era ter algum retorno financeiro em dez anos, o planejamento a longo prazo provou que se tratava de algo para ser levado à sério.

Perto do lançamento do primeiro livro, passou pelo ritual de contar para os pais que já era escritor. O pai o apoiou, como sempre. Mesmo sem entender, nunca deixou de dar um voto de confiança para o filho, mesmo quando o sonho era ser guitarrista de heavy metal na adolescência. A mãe sempre disse que ele deveria escrever, mas Mota nunca encarou o comentário como uma consideração válida para a vida profissional. Ao ouvir que o filho se assumia como escritor, o alívio no peito foi acompanhado pela exclamação: “Finalmente, ainda bem!”.

Próximos capítulos

Além de um leitor compulsivo, que devora cerca de sete livros por mês, seja por trabalho ou por lazer, Mota também é um escritor determinado. A meta de produção é cumprida com disciplina, escrever no mínimo um livro por ano. Antes da pandemia, a ideia era dois livros por ano.

Ele é de uma geração que acredita fortemente na técnica e que não fica esperando por inspiração. O que vale é o estudo, a observação e a dedicação, por isso frequentou cursos de escrita e vários manuais de redação e criatividade passaram por suas mãos. Assim, a produção tem ritmo, tanto que existem cinco outros romances prontos e ainda não publicados.

Entre os enredos dos livros ainda na gaveta, há uma mudança notável, a distopia sai de cena para entrar em foco a utopia. A escolha se deu porque, após o fim do mundo que foi a pandemia, o alerta sobre coisas que poderiam virar uma catástrofe na sociedade não faz mais sentido. A aposta dele é que resta à utopia promover a reflexão sobre o mundo atual. Assim a utopia pode avisar sobre a necessidade de buscar alternativas de vida, saídas mais sustentáveis, respeitando os direitos sociais e a ecologia.

Outro inédito é um flerte com a literatura latinoamericana e seu realismo mágico. Infelizmente, os spoilers pararam por aqui. Agora nos resta esperar pelos lançamentos com os próximos capítulos da carreira do escritor Lucas Mota.

Sobre o/a autor/a

2 comentários em “Perfil: Lucas Mota, o escritor “punk” que venceu o Jabuti 2022 com distopia curitibana”

  1. Jaquesmar Rio Brand

    Muito bom esse perfil do nosso novo escritor-celebridade. Hilário o trecho que trata da revelação de sua vocação aos pais, de se assumir escritor, como se fosse uma nova opção sexual. Vou correndo comprar o daum-loude dessa excitante distopia do extraordinário Lucas Mota.

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