O espectador VIP e o abraço na Mulher Lobo

Tem muita gente que nem sabia que esse lance de arte pode ser bom como um abraço quentinho num dia gelado de Curitiba

Começou assim: ele chegou ali no Cajuru minutos antes de começar a peça. Por um tempo foi a única pessoa do público. A produção deu um pacote de biscoito enquanto ele esperava ansiosamente pelo início do espetáculo.

Começamos fazendo só pra ele. Fazia sentido. Foi para ele mais do que para qualquer outra pessoa que fizemos esta peça. Ele riu, interagiu, brincou e voltou pra segunda sessão. Apareceu mais gente, mas ele continuou sendo o nosso VIP. Ao final, abraçou a mulher lobo e depois pediu mais um abraço. E mais um pacote de comida.

O Ed Canedo escondia as lágrimas debaixo da máscara de lobisomem. Eu e o resto do elenco aguamos os olhos em uníssono. Quando falam que a arte transforma, é exatamente disso que estamos falando.

Naquela segunda sessão, além dele havia muitas outras crianças que nunca tinham visto uma peça de teatro. É certo que elas não vão esquecer a sensação sorridente de fazer carinho na barriga da Cleusa, A Mulher Lobo. Vão lembrar que não se chama a esfinge nem de “ela” nem de “ele” e já sabem que quem avisa que não pode olhar pros olhos da medusa só quer nosso bem, entre outras coisas.

Com isso, nosso trabalho passa a fazer verdadeiro sentido. O teatro é apresentado para quem o quer de verdade e pra quem o utiliza como ferramenta pra fazer vida ser melhor. Muita gente não quer. Desdenha. Ignora. Tudo bem. Tem muita gente como esse garoto da foto que nem sabia que esse lance de arte pode ser bom como um abraço quentinho e peludo num dia gelado de Curitiba.

Ao mesmo tempo, o teatro cansa e exaure quem o faz. É um jogo de jovens e eu começo a sentir o peso desse cansaço. Esse momento de ontem mantém a construção do sentido de todo esse trabalho e o desejo de fazer teatro mais um pouco. Não sei até quando. Talvez esse “Circo de Curiosidades do Dr. Lao” seja minha última peça. Talvez não. Porque não tem dúvida que esse garoto de azul representa motivos de sobra pra continuar a fazer arte. Ainda mais neste país e nestes tempos.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima