Com sangue e humor jorrando no palco, é tudo verdade e tudo mentira na volta de Biscaia ao teatro

Em "A Farsa do Olho Traído", nova peça da Vigor Mortis, Paulo Biscaia Filho coloca em cena histórias íntimas e ficção, numa tragicomédia cheia de sarcasmo, terror, mentiras e narcisismo

Com direção e dramaturgia de Paulo Biscaia Filho, “A Farsa do Olho Traído” traz de volta aos palcos a marca inconfundível das peças de teatro da Vigor Mortis: é uma tragicomédia que mistura terror, tensão, humor, efeitos especiais e sangue – muito sangue. O anúncio da curtíssima temporada na Mostra Fringe do Festival de Curitiba termina com o desespero dos fãs que há dois anos não viam a companhia em qualquer teatro, a angústia ainda era maior porque o “Sangüinario Bucaneiro Intergalático” (é assim que Biscaia Filho se autointitula) declarou no passado que “tinha desistido de fazer teatro”. 

Entretanto, a chance de acabar de vez com tanta espera está disputadíssima, o espetáculo tem apenas duas apresentações na programação da Mostra Fringe do Festival de Curitiba, neste sábado (30), às 22h, e domingo (31), às 21h, no Espaço Fantástico das Artes. Até a publicação deste texto poucos ingressos ainda restavam à venda. 

Yves Carrasco, no papel do curador e marchand Pavel Belyakov. (Foto de Lúcia Biscaia.)

A montagem é um projeto independente, não contou com leis de incentivo, mas pediu o apoio do público em um financiamento coletivo para levantar o espetáculo (a vaquinha continua aberta, mas agora o objetivo é custear a próxima temporada em São Paulo-SP), e tem parcerias inéditas da companhia de teatro mais pop de Curitiba com a Trupe de Festim e a Biscuvita Produções. O enredo se passa em 1925, quando horas antes da abertura de uma vernissage, ao aguardar a chegada de uma mecenas, um marchand emocionado, um artista ególatra, uma carismática manipuladora e um silencioso assistente entram em conflitos revelando um quadrilátero de paixões, traições, assassinato e arte contemporânea.

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Paulo Biscaia Filho

Ao Plural, o diretor revelou detalhes da motivação para o retorno da quase “trintona” Vigor Mortis ao teatro (a companhia já tem 27 anos de estrada) e deste novo espetáculo, “uma história real – com salpicadas selvagens de ficção”. Ele também falou sobre como todos nós “apreciamos boas mentiras”, sobre o timing da comédia e do terror, e de como venceram o impossível para chegar ao palco. Ah, é claro, tudo isso sempre com aquele risinho sarcástico no rosto. Confira a entrevista com Paulo Biscaia Filho a seguir.

O que verdade e o que é ficção na história da tragicomédia grotesca “A Farsa do Olho Traído”? 

A peça é inspirada por uma história real, só não vou dizer qual é. Talvez seja a história de alguém que vai ver a peça inclusive, e eu nem sei disso, mas é uma história real – com salpicadas selvagens de ficção. Resposta bônus para os leitores desta entrevista: no Instagram e no áudio de introdução da peça, falamos que o texto da peça é inspirado num filme que mostrou um assassinato em 1925. Falamos também que os personagens em torno deste tal filme existiram e que estão retratados no palco. Pois bem, é tudo mentira. A peça fala sobre como apreciamos boas mentiras, desde que elas estejam em bons lugares de pacto entre mentiroso e plateia. Quando isso é feito para manipular e enganar em função de benefício egoísta, aí não tem pacto. Só é uma merda. A peça fala sobre isso também.

A Vigor Mortis produziu mais de 30 espetáculos ao longo de 27 anos de atividade, entretanto, você declarou que esta talvez seja a sua peça de teatro mais autoral (mais pessoal). Por quê?

‘Oquei, oquei’… pare de me pressionar. Eu confesso: a história é inspirada por eventos que vivenciei. Claro que sempre faço isso de uma forma ou de outra nos textos que escrevo, mas desta vez fui quase literal. É uma ficção, mas é algo que fala muito sobre um processo doloroso de mentiras e traições. Não estou exorcizando nada, apenas retratando e, neste processo, transformando o real em ficcional. Como diz a máxima do Rancière: “É preciso ficcionalizar a história para entendê-la”. A peça veio nesse momento estranho, que também era um lugar onde eu dizia que tinha desistido de fazer teatro para me concentrar apenas no cinema. Mas, então, a Michelle Rodrigues, que além de atriz maravilhosa é minha irmã de alma, me propôs fazer uma peça com ela e os atores da Trupe de Festim. Ela estava querendo muito voltar ao teatro, coisa que não fazia há muito tempo. Então aconteceu isso: um espetáculo que nasce de coisas que eu tinha necessidade de falar e de coisas que a Michelle tinha necessidade de fazer.

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Quais foram os maiores desafios enfrentados na produção e o que foi mais bacana até agora? 

Todo início de processo é um desafio. Um processo com atores com os quais nunca tinha trabalhado parecia ser um desafio, mas foi a coisa mais natural. Rapidamente nos entendemos e rendemos muito nos ensaios. Que aliás foram concentrados, escrevi o texto em dezembro e ensaiamos em três “tiros” de três dias cada; três em janeiro, três em fevereiro e três em março. Nove dias de ensaio para levantar a peça, parecia impossível, mas é um elenco incrivelmente potente e criativo. Então o que parecia ser um desafio para todos se tornou um ótimo processo criativo. Os desafios estão em levantar a produção sem patrocínios, coisa que o produtor Thiago Freire está herculeamente resolvendo, assim como a própria Michelle que passou madrugadas produzindo peças para o cenário e para os adereços/efeitos especiais. De maneira pessoal, posso dizer que é um desafio ver coisas que vivenciei encenadas no palco, mas aos poucos tudo isso foi se distanciando e agora a cena é uma coisa e o que vivi é outra coisa. Não melhora as dores, mas acho que essa verdade – compreendida e assumida pelo elenco – melhora a peça.

A montagem também é assinada pela Biscuvita Produções e pela Trupe de Festim. Com isso, a personalidade da Vigor Mortis ainda será reconhecida no palco? Quais as principais referências do trabalho?

Com certeza! Tem muito, muito, muito, muito sangue. Fazia muito tempo que a gente não trazia tanto sangue para palco. Humor também. O Thiago Cardoso, o Yves Carrasco e o Fileh (da Trupe de Festim) são atores maravilhosos e no texto tentei explorar os talentos deles para a comédia ao máximo. O timing de comédia também é bom para o timing de horror, são coisas complementares e não antagônicas. Humor e sangue sempre foram marcas da Vigor Mortis. Foi assim em Morgue Story – Sangue, Baiacu e Quadrinhos, que no mês que vem completará 20 anos de estreia, e será assim, de maneira ainda mais sofisticada, em “A Farsa do Olho Traído”. A Biscuvita também trouxe uma coisa que é orgânica pra Vigor Mortis: o jeito de pensar produção pelo viés do cinema. O Freire é produtor de audiovisual e foi aprendendo a produzir teatro tanto quanto fez o “teatro” aprender com a eficiência de produção do audiovisual.

Por que o público deve assistir à estreia de “A Farsa do Olho Traído”? O que as pessoas podem esperar deste novo espetáculo?

Porque é uma peça divertida e sangrenta, cheia de personagens inesquecíveis interpretados por um elenco de primeiríssima. É uma história surpreendente que fala sobre narcisismo e traições. Sobre obsessões e paixões. Sobre manipulação e arte. Porque é uma peça com tudo o que a Vigor Mortis tradicionalmente faz há 27 anos, mas sempre trazendo algo de novo. Neste caso, um pouco de clown, um pouco de melodrama, um pouco de comédia farsesca e um tanto de sangue. Ah, e sim, para os entusiastas de verdade, uma obra de arte VigorMortis-style será produzida durante a peça e, no final, será feito um leilão para levar esta peça exclusiva. Ou seja, mais uma vez estamos fazendo o melhor para que seja uma experiência única e inesquecível para o público.

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“A Farsa do Olho Traído”, uma tragicomédia grotesca da Vigor Mortis

Texto, direção e sonoplastia: Paulo Biscaia Filho. Elenco: Darlan Junior, Michelle Rodrigues, Thiago Cardoso, Yves Carrasco. Iluminação: Wagner Corrêa / João Soares. Figurinos: Gi Marcondes. Direção de arte: Karen Furbino. Cenografia e adereços: Karen Furbino, Michelle Rodrigues e Thiago Cardoso. Efeitos especiais: Michelle Rodrigues. Produção Local: Daniele Mariano. Direção de Produção: Thiago Freire. Uma realização Biscuvita – Trupe de Festim e Vigor Mortis.

Sessões na Mostra Fringe do Festival de Curitiba

Sábado (30), às 22h, e domingo (31), às 21h, no Espaço Fantástico das Artes (Rua Trajano Reis, 41 – Centro. Curitiba).

Os ingressos para as apresentações no Fringe estão à venda a partir de R$ 15, no site do Festival de Curitiba ou na bilheteria física do evento (Park Shopping Barigui).

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