Para Fátima Ortiz, com 50 anos de palco, “a experiência nos torna mais realistas”

Em entrevista, a artista fala da "Mostra Fátima Ortiz - 50 Anos em Cena" e sobre como é a experiência de fazer teatro

Fátima Ortiz completa meio século, ou melhor, mais de meio século, de carreira onde mais gosta de estar, nos palcos, em uma mostra para poder celebrar a data junto com as plateias curitibanas. Nem poderia ser diferente. Aos 69 anos, mantém até hoje o amor pelo teatro bem vivo, seja como atriz, diretora teatral, produtora, arte-educadora ou dramaturga.

A arte também parece gostar muito de estar ao seu lado. Fátima é irmã da atriz Regina Bastos; cunhada do iluminador e diretor Beto Bruel; esposa do dramaturgo, ator e diretor Enéas Lour, e ainda tem uma irmã escritora, Cláudia Cavalheiro. 

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Atenciosa e com muito bom humor, ela contou ao Plural um pouco do que é a vida de quem nunca pensou em desistir da arte ao longo das décadas e também explicou por que “o teatro não é para qualquer um”. Leia a entrevista a seguir.

Explica por que falam em “três cinquentenários de Fátima Ortiz no teatro”?

Eu nasci em 4 de dezembro de 1953, em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, mas só porque era onde a minha avó materna morava. Meus pais já viviam em Londrina. Depois, moramos em várias cidades paranaenses e, quando completei 15 anos, mudamos para Curitiba, quando fui estudar no Colégio Estadual do Paraná, onde comecei a fazer teatro. 

Eu conto diferentes 50 anos por três motivos: o primeiro espetáculo que participei foi a público no Estadual em 1971; em 1972, o jornal “Gazeta do Povo” publicou pela primeira vez uma foto minha; e, em 2023, eu também estou comemorando 50 anos – acredita?! Essa terceira data apareceu porque o projeto da Mostra Fátima Ortiz – 50 Anos em Cena” foi idealizado há dois anos, mas como é incentivado por lei, só agora foi possível executar. Mas as pessoas estão brincando comigo sobre comemorar assim. Tudo bem: ano que vem, eu comemoro 54!  

O que melhorou e piorou no mundo do teatro paranaense?

As coisas mudaram bastante. Quando comecei tudo era muito centralizado no Teatro Guaíra e foi assim até os anos 90, lá tinha estrutura, sala de produção, carpintaria, costureiras, salas de ensaio. As montagens dependiam do patrocínio do comércio local e da bilheteria, mas as filas na porta do teatro dobravam as esquinas. Nas décadas de 80 e 90, as escolas também iam ao teatro, os colégios particulares eram uma fonte de renda bem significativa. Hoje, quase não vão mais. Não existiam mecanismos de incentivo naquela época. Nos dias atuais, não há como depender da bilheteria para pagar cachês e custos, por isso a maioria dos espetáculos de Curitiba são realizados por leis.

E o teatro mudou. A gente passou por um período com novas linguagens cênicas, um jeito diferente de fazer teatro onde a palavra não era mais o centro da encenação, e um período experimental – dito pós-dramático – que teve muita importância para rever o fazer teatral, porém muitas dessas experiências afastaram o público. Agora, depois da pandemia, eu sinto o lugar do teatro como o encontro insubstituível, isso não acontece no cinema, não acontece na televisão; é como diz a frase do escritor Roberto Freire: “O teatro sendo um espelho de carne, sangue e nervos”. Eu também concordo com a afirmação de um amigo meu sobre os atores serem os responsáveis pelo patrimônio emocional da humanidade, mesmo porque, hoje, o teatro não é para qualquer um, não é qualquer pessoa que tem paciência para ir ao teatro e assistir a um espetáculo que não seja mero entretenimento. 

Você pensou em desistir do teatro em algum momento?

Eu nunca pensei em mudar de profissão, só tive essa e nunca fiz outra coisa. Quando as pessoas perguntam se dá para viver de teatro, eu e o Enéas olhamos com estranhamento, pois estamos aqui, com nossos filhos crescidos e com netos. Eu não tenho ressentimentos porque não sei fazer outra coisa, nunca me bateu [a ideia de desistir] porque sou workaholic, compulsiva por trabalho. 

Eu viajei muito pelo Paraná com oficinas e espetáculos; dei muita aula, por necessidade e para fazer pesquisa; e sempre me envolvi com grupos, dirigi o do Teatro da Caixa e o da Volvo, dirigi o “Comboio  Cultural”, ônibus com espetáculos que circulava pelo Paraná, e ainda produções do Teatro Guaíra. A vida foi me levando e eu sempre tive trabalho, nunca fiquei sem. Do trabalho, também surgiam as novidades: em 1995, eu criei o Pé no Palco – cursos livres de teatro e, em 2002, a Companhia Pé no Palco. Enfim, sempre houve uma renovação muito legal. 

Qual foi o momento mais emocionante nesses 50 anos de trabalho e dedicação à arte? Entre os prêmios conquistados, qual o mais importante?

Estrear espetáculos é muito especial, por exemplo, quando estreei como atriz no começo da carreira e as estreias mais recentes, das minhas peças para adultos. Também foi emocionante a convivência com o Ziraldo, quando trabalhamos vários espetáculos do Menino Maluquinho. Mas a resposta são as estreias, é a hora em que a gente encontra o público pela primeira vez, é a hora que o espetáculo nasce.  

Entre os prêmios, eu citaria os três que ganhei no Edital Oraci Gemba para escrita de dramaturgia, são importantes porque os textos estão publicados em livros.

Após mais de meio século nos palcos, a ideia é continuar atuando? Quais são os novos planos? 

Por sorte, ser atriz é uma profissão em que dá para seguir até ficar bem velhinha, a Fernanda Montenegro está nos palcos até hoje. Eu sigo na profissão, contudo, a experiência nos torna mais realistas sobre as possibilidades. Hoje, tenho um projeto encaminhado para circular com o espetáculo “Com que roupa? Mulheres travestidas em Shakespeare”, e uma montagem do espetáculo para crianças “Oscar, o sopro e a curva”, inspirado na linda biografia do Oscar Niemeyer, que é um dos meus textos premiados no Oraci Gemba. 

O que acha que faltou (se é que faltou algo)? Qual o sonho profissional ainda não realizado?

Eu realizei bastantes sonhos, tenho desejos para a associação Palco Escola, que atende as crianças em situação de risco social, e para o meu trabalho como atriz. Agora quero viajar com o teatro, com um espetáculo, talvez um do repertório da companhia. Vários grupos de Curitiba já estão rompendo as fronteiras, atravessando os mares, esse é o meu maior e mais bonito sonho no momento.

O que Fátima Ortiz diria para quem chega agora aos palcos?

O meu conselho é praticar um exercício que vai trazer novos estímulos para se manter na arte, que torna o fazer teatral mais efetivo e permite entender o que é o teatro. Eu diria para repetir sempre a pergunta: ‘Por que eu faço teatro?’ 

Serviço

“Mostra Fátima Ortiz – 50 Anos em Cena”Peças, palestra, encontro de dramaturgia e oficinas, de 22 de agosto a 3 de setembro, no Teatro Zé Maria Santos (Rua Treze de Maio, 655 – São Francisco). Entrada gratuita. Outras informações aqui.

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