É impossível desviar os olhos de Rosana Stavis na peça “A Aforista”

Atriz toma conta do palco e do público e conduz todo mundo – mesmo no escuro – de maneira genial numa peça sobre as dores da arte e da vida

Quem foi assistir à estreia de “A Aforista” na quarta-feira (12), viu algo único. Uma daquelas peças de teatro impossíveis de esquecer. Trata-se de um ótimo monólogo da Cia. Stavis-Damaceno, encabeçado pelo casal que dá nome à trupe. O texto e a direção são de Marcos Damaceno (Prêmio Shell de dramaturgia por “Homem ao Vento”) e, no palco, está Rosana Stavis, provando por que é considerada uma das melhores atrizes do teatro – não só paranaense, mas brasileiro.

A montagem mostra que a sintonia entre os dois vai além do pessoal. Stavis e Damaceno formam um casal perfeito também na arte. Fica evidente que a obra nasceu para ganhar vida com Rosana, e ela faz isso como ninguém mais conseguiria. No papel da Aforista, a atriz interpreta uma mulher em dúvida sobre ir ou não ao enterro de um de seus dois amigos mais próximos que se suicidou.

Diante desse embate, é contada a história desses três personagens, pianistas promissores, por meio do resgate das memórias e sentimentos da protagonista, narrados com a velocidade de uma mente frenética, típica dos gênios, dos artistas e também comum a todos nós em algum momento de angústia na vida.

Rosana Stavis

O enredo se vale da máxima “fale sobre o que você conhece” e é construído ao redor da música e passa pela busca da fama, pela soberba, pelo talento prodigioso, pela realização e pela frustração. Os embates enfrentados por quem vive a pensar e a escrever criativamente também estão no palco. Contudo, é a impiedade do egocentrismo que dá o tom da peça, revelando o quanto se pode ser cruel com os outros e até consigo mesmo. Aqui a música é um eufemismo para dizer “a arte imita a vida” – e esse aforismo não está explícito no texto.

O genial (além de Rosana, mas já chegaremos lá) é não se tratar de um dramalhão, apesar de ser uma peça densa, daquelas que faz doer o peito em vários momentos. Discute, sim, sobre como é difícil seguir em frente com a arte ainda que não exista outro caminho, como é possível ou impossível escapar do julgamento dos outros, sobre como carregar esses e outros pesos pode ser fatal.

Porém, o balanço está nas passagens cômicas, nos clichês encaixados cirurgicamente para despertar o riso e nas piadas que valem para quem é do universo artístico e para quem é do público. Entre os momentos mais irônicos, está a descrição da fictícia Laciport: cidade fria, perdida entre destinos tropicais, úmida a ponto de criar bolor nas pessoas e cheia de gente arrogante (qualquer semelhança com Curitiba não é mera coincidência).

“A Aforista”

Ainda nesse pacote tem a música de Gilson Fukushima. As composições criadas para “A Aforista” explicam por que o músico e compositor tem várias indicações e prêmios importantes no currículo. A música é um personagem, ela contracena com Rosana, dá ritmo para a partitura corporal da atriz e envolve o público, deixando a audiência vidrada. Só ouvindo no teatro para entender. A execução ao vivo dos pianistas Rodrigo Henrique e Sérgio Justen, o tempo todo no palco com seus pianos de cauda, daria um espetáculo por si só.

E há Rosana Stavis. Uau! Ela já está em cena quando abrem-se as cortinas, com um cabelo que lembra Beethoven (1770–1827), um óculos com jeitão de galerista, e trajando um vestido que é uma verdadeira obra de arte, com uma cauda que vira cenário, entre os dois pianos de cauda. O figurino é de Karen Brusttolin e o cenário também é assinado por Damaceno.

Mas, voltando a Rosana, ela tem o desafio de dar vida a essa personagem – que pensa e anda o tempo todo – sem sair do lugar. Presa ao centro do palco. Isso não impede que seus movimentos ganhem ares de uma verdadeira partitura interpretada por um maestro, seu corpo e sua voz levam a plateia por um frenesi de sentimentos entre lembranças e constatações. Não tem como tirar os olhos dela, nem nos momentos em que a Aforista parece um gênio sarcástico, muito menos quando lembra um louco angustiado.

Blecaute

Para resumir (como se fosse possível falar resumidamente dessa atriz): quem já viu Rosana Stavis no palco antes, pode achar que não vai se surpreender. Mas surpresas acontecem. Na noite de estreia, minutos antes do fim do espetáculo, os refletores se apagaram de repente. Um blecaute imprevisto que acabou com a ótima iluminação criada por Beto Bruel. Desconforto em cena e na plateia. Pois Stavis não se abalou e seguiu em frente. Continuou sua interpretação que serviu como deixa para os pianistas entenderem que o espetáculo não iria parar. E ela foi até o fim mostrando que nada consegue apagar o seu talento. A luz só voltou depois da conclusão da peça, com o público aplaudindo de pé por bastante tempo. E com razão. Bravo!

Serviço

“A Aforista”, com Rosana Stavis. Em cartaz de 12 a 30 de julho. De quarta a sábado, às 20h; domingo, às 19h. Teatro Zé Maria Santos (Rua Treze de Maio, 655 – São Francisco). Os ingressos estão à venda a partir de R$15 (meia) pelo Ticket Fácil ou na bilheteria oficial do Centro Cultural Teatro Guaíra. A classificação é de 16 anos e a duração, de 70 minutos. Outras informações pelo Instagram e Facebook da Cia.Stavis-Damaceno.

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