Mariana Marino escreve poemas de uma “melancolia cortante”

Um tema importante para a escritora é o cuidado das pessoas umas com as outras, um papel que pesa mais sobre as mulheres

“Escrevi ‘Não sei quem colocará as mãos em mim’ em meio à pandemia. Numa descrença surreal das coisas, do mundo, de mim”, diz a escritora Mariana Marino. Ela conta que o livro de poemas foi uma forma de ter bases sólidas num momento em que tudo parecia muito incerto. “Por isso a melancolia cortante, este peso que às vezes viver se torna, esse medo de começar a desacreditar do mundo mais do que a acreditar nele. E em qual mundo acreditar – ou desacreditar.”

Neste mês, o livro “Não sei quem colocará as mãos em mim” completa um ano de lançamento e, para marcar a data, Marino aceitou conversar com o Plural.

Mariana Marino

Na entrevista a seguir, ela fala sobre as pessoas que a influenciam, os temas de seu livro e o que ela responderia para alguém que diz não entender de poesia. 

Quais são os temas que permeiam os poemas do livro “Não sei quem colocará as mãos em mim”?
O interesse em continuar a buscar pela minha genealogia familiar me persegue desde o meu livro de poesia de estreia, “peito aberto até a garganta”. Isso certamente é uma das linhas condutoras do segundo, com uma reflexão ampliada sobre como essa genealogia familiar, de um certo modo, termina em mim, visto que não tenho projetos (a curto e longo prazo) de ser mãe. Por consequência, pensar o cuidado é um tema bem caro ao livro. No Ocidente, geralmente são os filhos a cuidar de seus genitores na idade mais avançada. E quem opta por não tê-los, como eu? Que outros tipos de cuidado podemos descobrir no mundo? O cuidado permanece direcionado somente às mulheres? É possível repensar o cuidado atribuído massivamente às mulheres colocando em xeque esse dever social incumbido a elas, o de procriar?

Acredito também que é um livro que gira em torno do entendimento de neuropatias familiares e da figura obsessiva por mãos – geralmente as que escrevem.

Que escritoras e escritores serviram de referência para você nesse livro novo?
Especialmente na primeira parte do livro, alguns poemas-homenagem são direcionados à Margarida Alves, Laura Santos, Anderson Herzer, Stella do Patrocínio, Mary Oppen, Daniele Rosa, Jessica Stori. É um livro todo feito de/em conversa: também aparecem Adília Lopes, Margaret Atwood, Andréia Carvalho Gavita, Italo Calvino, Natalia Ginzburg e Virginia Woolf nas epígrafes da segunda e terceira partes do livro, assim como Manoel de Barros, Delia Domínguez, Alfonsina Storni, Lucille Clifton, Natasha Tinet, be rgb e Yuri Amaury. As conversas também se estendem para referências não literárias – que acredito, no entanto, serem extremamente literárias –: as meninas Ceci e Agnes, a minha avó, Carolina, meus amigos queridos, como Jeferson Torres e Vitor Caldas, minha tia -avó Teresa, minha mãe, Ana Paula – esses rastros de mulheres que me assombram e me fascinam. No período em que estava escrevendo “Não sei quem colocará as mãos em mim” estava lendo muito a Donna Haraway. Gosto muito da cabeça dessa mulher. Também fico embasbacada pelas mentes próximas que estão sempre, a todo o vapor, a pensar em mundos alucinantes, como as das queridas pessoas da Membrana Literária. Tudo o que escrevo gira em torno da Membrana, das mentes dessas pessoas tão fabulosas.

Você poderia falar um pouco sobre as circunstâncias em que escreveu “Não sei quem colocará as mãos em mim”?
Escrevi “Não sei quem colocará as mãos em mim” em meio à pandemia. Numa descrença surreal das coisas, do mundo, de mim. O livro, de certa maneira, foi o jeito que encontrei de me reorganizar internamente, de firmar algumas bases sólidas (criadas a partir do trabalhado disciplinado da escrita diária) com a realidade. Por isso a melancolia cortante, este peso que às vezes viver se torna, esse medo de começar a desacreditar do mundo mais do que a acreditar nele. E em qual mundo acreditar – ou desacreditar.

Que tipo de dica você daria para alguém que diz que não lê poesia porque “não entende de poesia”? 
Recentemente, no meu trabalho como mediadora de leitura, estava lidando exatamente com esse receio que algumas pessoas têm de entrar em contato com a poesia. Tentei exatamente falar pra uma galerinha do Ensino Médio de que não há forma correta de ler poesia – não há forma correta de ler nada, na verdade. Acho que a exaustão do nosso sistema educacional tradicional faz a gente desenvolver muito medo de ler – porque parece sempre ser necessário imprimir uma utilidade a qualquer coisa que se faça, até no prazer da leitura, na face que a leitura imprime sobre a (falta de) percepção do tempo cronológico. Diria, a quem não lê poesia porque “não entende de poesia”: há alguma coisa na vida que podemos entender com total exatidão? A mim, não. Nem a poesia. Muito menos ela.

Livro

“Não sei quem colocará as mãos em mim”, de Mariana Marino. Kotter Editorial, 92 páginas, R$ 39,70. Poesia.

Sobre o/a autor/a

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