HQ usa fatos e ficção para investigar a morte da travesti Gilda

"Uma moeda ou um beijo", de Leonardo Melo e André Caliman, será lançada na Bienal de Quadrinhos de Curitiba

A travesti Gilda morreu em circunstâncias obscuras, em 1983. Uma personagem que marcou a história recente de Curitiba, cercada de lendas urbanas, ela vivia na rua e “deixou saudades” – como diz a placa em homenagem a ela na Boca Maldita, no centro da cidade. Quando o escritor Leonardo Melo ouviu falar de Gilda, logo viu que ela merecia um livro. Um livro policial em quadrinhos. Assim surgiu  “Uma moeda ou um beijo”, com roteiro do curitibano Melo e arte do paulista André Caliman. Publicado pela editora independente Quadrinhópole, “Uma moeda ou um beijo” será lançado na Bienal de Quadrinhos de Curitiba. Além disso, Melo e Caliman participam de uma mesa redonda do evento no dia 7 de setembro, às 13h30. 

A obra conta com um extenso apêndice, no qual os autores descrevem o processo de trabalho e a pesquisa que fizeram, com referências e notas tiradas de jornais da época. “Uma moeda ou um beijo” é uma ficção sobre a morte da Gilda, mas baseada em fatos. Melo e Caliman criaram um detetive para investigar o caso e recriaram a Curitiba da época com detalhes impressionantes.

Bienal de Quadrinhos

“Na prática”, diz Melo, “acabou virando não apenas uma história sobre a vida sofrida de Gilda, mas também um arco de desconstrução dos preconceitos do protagonista, que reflete, na verdade, algo que todos deveríamos buscar.”

A seguir, em entrevista feita por e-mail, Leonardo Melo fala sobre a Gilda, o trabalho de costurar fato e ficção, e a Curitiba dos anos 1980.

O que, na história de vida da Gilda, chamou a sua atenção a ponto de querer escrever um livro de quadrinhos sobre ela?
Tudo começou quando eu estava procurando algum tema curitibano para escrever minha nova HQ. Alguns amigos acabaram me contando sobre a Gilda, que eu não conhecia, pois nasci no ano em que ela morreu (1983). A princípio eu não havia me interessado em escrever um livro tendo ela como tema central, mas quando descobri as “lendas urbanas” envoltas em sua morte, esse me pareceu um tema interessante de ser explorado, com um detetive investigando as causas de seu falecimento, enquanto poderíamos intercalar com flashbacks sobre sua vida. 

Na prática, acabou virando não apenas uma história sobre a vida sofrida de Gilda, mas também um arco de desconstrução dos preconceitos do protagonista, que reflete, na verdade, algo que todos deveríamos buscar. Acredito que esse seria o tema central de nossa história.

Ao tratar de uma personagem real numa cidade real, como você lidou com a relação entre fato e ficção?
Sempre tive vontade de escrever algo assim, com um ar de mistério, baseado em algum crime real não solucionado, em que eu pudesse pesquisar sobre o assunto e preencher as lacunas com ficção. Quando comecei a pesquisar a história de Gilda, isso caiu com uma luva, pois sua morte, na realidade, é o fato menos interessante da história toda. Gilda sofreu enormes preconceitos por se assumir travesti e por ser moradora de rua. Foi marginalizada, destratada, esfaqueada, foi presa durante o Carnaval, foi ignorada quando precisava de cuidados médicos, passou frio, quase levou um tiro… são tantas histórias que quase não couberam nesse livro. Mas o divertido durante o processo de escrita foi justamente essa “costura” entre fato e ficção.

Os traços do Caliman que retratam a Curitiba dos anos 80 são impressionantes. Vocês foram atrás de fotografias da época? Conversaram sobre os locais que deveriam aparecer no livro?
Com certeza. A parte de pesquisa envolveu não apenas vasculhar os jornais em busca das histórias sobre Gilda, mas também encontrar fotos de época que o Caliman pudesse utilizar como referência. Isso envolveu algumas visitas na Casa da Memória, onde encontramos inclusive um folheto produzido pela Fundação Cultural na época da morte dela, com diversas fotos de artistas curitibanos, além, é claro, de passeios pelos arredores da Boca Maldita e por bares como o Bife Sujo e o Stuart.

Outros materiais que foram bem consultados durante a pesquisa foram o documentário “Beijo na Boca Maldita”, de Yanko del Pino, e a tese de doutorado do professor Jamil Cabral Sierra, da Universidade Federal do Paraná, que teve a figura da Gilda como tema.

O livro da Gilda sai pela editora independente Quadrinhópole, que é curitibana. Qual é a história dela? 
A Quadrinhópole começou como uma revista independente em 2006, criada por mim, pelo André Caliman e mais alguns artistas. Chegou a ter nove números lançados, ganhando o HQMIX de melhor publicação independente de grupo em 2007. Em 2012, transformei ela em editora independente, em parceria com o veterano Antonio Eder, também aqui de Curitiba, e publicamos vários títulos, como “Undeadman – A Saga de um Imortal”, “O Gralha” (o super-herói curitibano) e a coleção Clássicos Revisitados.

Livro

“Uma moeda ou um beijo”, de Leonardo Melo (roteiro) e André Caliman (arte). Quadrinhópoles, 256 páginas, R$ 79,90. Quadrinhos. 

Na semana que vem, durante a Bienal de Quadrinhos de Curitiba, Melo e Caliman participam de uma mesa-redonda na quinta-feira (7), às 13h30.

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