Escritor indígena paranaense, Olívio Jekupe lança livros na Bienal do Livro no RJ

Nesta entrevista concedida ao Plural na Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba, Olívio fala de seu percurso, suas dificuldades e a importância de mostrar uma visão indígena da realidade

A literatura indígena no Brasil tem ganhado cada vez mais destaque, apesar dos desafios enfrentados pelos escritores. Um exemplo disso é o autor paranaense Olivio Jekupe, que está prestes a lançar dois livros infanto-juvenis na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, no próximo sábado (9): “A Explosão do Ojepotá” (em coautoria com Tupã Mirim, Jekupe Mirim e ilustrações de Dedê Paiva) e “A História de Piragui” (com Maria Kerexu e ilustrações de Simone Ziasch), ambos pela editora Ciranda Cultural. Com esses dois novos títulos, Olívio chega à autoria de 27 livros até agora, muitos deles pela sua própria editora, a Jekupe.

Com uma agenda repleta de eventos, Olívio lançou também “O Choro da Mãe Terra”, em Curitiba, há um mês, em colaboração com o Instituto Alok. Na semana passada, participou da abertura da exposição coletiva “Araetá: a Literatura dos Povos Originários”, organizada pelo Sesc Ipiranga em São Paulo. Essa exposição reúne um conjunto de 334 títulos de 50 autores, publicados por 105 editoras.

Além de seu papel como escritor, Olívio é um ativista da cultura indígena, atuando tanto como um promotor cultural – com seus livros, palestras e participações em eventos da mídia – mas também liderando movimentos contra a violência e o descaso das autoridades brasileiras em relação à questão indígena.

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Nesta entrevista concedida ao Plural na Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba, Olívio fala de seu percurso, suas dificuldades e a importância de mostrar uma visão indígena da realidade.

Como foi o seu percurso e a sua formação? 

Nasci em uma fazenda situada em uma vila chamada Itacolomi, que fazia parte do distrito de Cambira, no município de Apucarana. Sou paranaense e o escritor indígena do Estado com mais livros publicados – 27 títulos ao todo. Em 1986, me mudei para São Paulo, onde completei o ensino médio. Posteriormente, continuei meus estudos em Curitiba. Estudei filosofia na PUC nos anos 1990, e depois voltei para São Paulo, onde fiz filosofia por quatro anos na USP. Não cheguei a terminar o curso porque, em 1996, o governador Franco Montoro aprovou uma lei que determinava que apenas graduados poderiam lecionar, o que resultou em uma situação difícil para o Estado de São Paulo, pois muitos professores deixaram de dar aulas  – inclusive eu. Fiquei sem dinheiro e sem trabalho. Desde então, nunca mais voltei para a cidade: fui morar em aldeias depois disso. Na aldeia Krukutu em São Paulo e, mais recentemente, na aldeia Kakané Porã, em Curitiba. Mesmo não tendo me formado, fico feliz porque consegui estudar e aprender filosofia. A maior dificuldade nesse processo foi me manter. Eu vendia artesanato para sobreviver. Em Curitiba, morei durante um ano numa casa de uma família kaingang. E foi uma época difícil. Fui pra USP pensando que seria melhor – e foi pior. A USP é uma universidade para rico. Passei muita dificuldade. Não consegui terminar o curso por causa das dificuldades econômicas. Além disso, a gente sofria muito preconceito.

Quais foram as suas influências mais importantes?

Quando eu era garoto, gostava muito de ler. Foi graças à leitura que eu comecei a perceber o meu talento. Gostava de ler muitos contos e romances, como os de Jorge Amado, e muitos livros críticos de Leonardo Boff. Isso me ajudou muito a pensar a realidade e a descobrir meu talento. Para mim, ser escritor é uma maneira de mostrar que os povos indígenas têm capacidade de expressar suas opiniões e ideias. Não apenas por meio do registro da história oral transmitido por nossa comunidade, mas também criando novas perspectivas que nos permitam desenvolver textos críticos. Por exemplo, tenho um livro que aprecio muito chamado “A Invasão”, e mais recentemente, “O Choro da Mãe Terra”. Este último é um trabalho crítico que evidencia que nós, povos indígenas, também fazemos filosofia.

De onde vêm as ideias para seus livros?

Algumas histórias vêm da cultura oral indígena – a gente ouve das pessoas. Um exemplo disso é o livro “A História de Piragui”, que traz uma narrativa que me foi contada pela minha ex-mulher, Maria Kerexu, e por isso o livro é assinado por ela também. Mas também tem as histórias que eu crio. Por exemplo, hoje eu escrevi um novo conto, que narra a história de um indiozinho de dez anos que vai descobrir que tem o dom de ser pajé. Escrevi junto com o meu filho. E então decidi escrever um livro junto com ele. Eu só escrevo quando dá vontade. Quando não estou inspirado, não escrevo.

Como você vê a divulgação dos escritores indígenas?

Hoje melhorou muito. Fico muito feliz porque, quando a gente começou a escrever, as editoras não tinham muito interesse em nos publicar, e os professores também não trabalhavam com a questão indígena. Atualmente, vemos o surgimento de muitos escritores indígenas. Isso é bom porque as pessoas vão ter a oportunidade de conhecer melhor a visão dos povos originários. A literatura que nós escrevemos é diferente. Sempre se escreveu sobre os povos indígenas, mas com a visão do colonizador. Agora é muito importante mostrar a visão dos próprios indígenas e mostrar a nossa cultura. Para os próprios professores, isso é muito bom. Pois eles têm mais acesso à leitura de textos indígenas e esse conhecimento proporciona uma aula melhor. As aulas que se dava antigamente era aquela visão do jeito que eles queriam. Hoje a gente vai em bienais, em universidades, em colégios. Isso é muito importante. Os professores começam a respeitar nossa cultura. A literatura nativa cresceu muito. A gente está abrindo caminho. Hoje existem mais de 350 livros de autores indígenas publicados no Brasil. Até pouco tempo não tinha nenhum.

Além de escritor, você é um divulgador da cultura indígena, e está sempre em contato com diversos públicos. Qual é a importância desse trabalho?

Eu gosto de dar palestra porque, nesses momentos, falo um pouco sobre as minhas obras e sobre os problemas enfrentados pelos indígenas, tais como a questão da demarcação e das invasões de territórios indígenas em vários lugares do Brasil. É sempre bom ser convidado pelas escolas porque é uma oportunidade de mostrar a realidade para o público.

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