Carrère escreve sobre si mesmo com sinceridade no livro “Ioga”

Escritor francês que é uma celebridade na França publica “Ioga” no Brasil, um livro sobre a vida, a morte e tudo entre elas

Emmanuel Carrère é um daqueles escritores que testam os limites entre ficção e não ficção. É provável que isso não faça diferença para muitos leitores, mas é fato que faz diferença para a ex-mulher do autor. No processo de divórcio, a também escritora Hélène Devynck exigiu que, se Carrère a citasse em um livro, teria de buscar a autorização dela antes de publicar.

Os termos desse acordo foram testados quando “Ioga” saiu na França em 2020. E a polêmica não foi pequena. De um lado, Devynck diz que Carrère usou artimanhas para contornar o acordo (não citando nomes, por exemplo), de outro, o escritor procurou defender seu direito de publicar o livro.

Agora, leitoras e leitores brasileiros têm acesso ao livro controverso. “Ioga” acaba de ser publicado no país pela Alfaguara, com tradução de Mariana Delfini.

Emmanuel Carrère

A princípio, Emmanuel Carrère queria só escrever um livrinho simpático sobre ioga. Algo que as pessoas pudessem ler e se sentir bem, talvez até fazer ioga e meditação, por que não? Ele, beirando os 60 anos, descobriu os prazeres de passar horas concentrado nas próprias narinas. Porém, a vida de Carrère degringolou e, com ela, a ideia original do livro.

O autor enfrentou o fim de seu casamento, a morte de um amigo (no atentado contra a redação da revista “Charlie Hebdo”) e uma espécie de colapso que o levou a ser internado numa clínica psiquiátrica. Durante esse processo, ele descobriu ser bipolar, um diagnóstico ao qual resistiu no começo, mas depois acabou sendo extremamente influenciado por ele. Todos esses episódios fazem parte de “Ioga”.

Na prática, o livro acaba sendo sobre um monte de coisas, mas ele é, fundamentalmente, sobre o umbigo (metafórico) de Carrère.

A questão sobre qual seria o gênero literário de “Ioga” deixa algumas pessoas meio perplexas, como a resenhista Molly Young, do jornal “The New York Times”. Na França, “Ioga” saiu como romance e, na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, como autobiografia, compara Young. No Brasil, essa parada costuma ser resolvida com “romance autobiográfico”.

Mais engraçada foi a Amazon (famosa pelos subgêneros bizarros), que classificou o livro como “ficção médica” – isso, na loja americana. No Brasil, a Amazon é menos “inventiva”, digamos, e encara o livro como “ficção francesa” mesmo.

“Ioga”

A edição brasileira de “Ioga” traz na capa uma frase do escritor norueguês Karl Ove Knausgård. Para o escandinavo, Carrère é “o mais instigante escritor vivo”. Faz sentido citar Knausgård porque tudo que o norueguês fez com “Minha luta” (a série de seis volumes em que fala de si mesmo, de Hitler e de pessoas próximas e não tão próximas), Carrère fez antes em livros como “Um romance russo”, “Outras vidas que não a minha” e “O reino”. Tudo. Do embate com gêneros literários à polêmica envolvendo pessoas retratadas em seus livros, passando pela sinceridade extrema ao expor questões íntimas a um passo do constrangedor e do desconfortável (e, às vezes, dando esse último passo).

Livro

“Ioga”, de Emmanuel Carrère. Tradução de Mariana Delfini. Alfaguara, 342 páginas, R$ 79,90. Romance.

Sobre o/a autor/a

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