Mais que fama e fortuna, Emmanuel Carrère tem a atenção das pessoas

Escritor francês é uma celebridade literária e os livros que escreve rendem dinheiro, reportagens e… processos

A ideia de uma “celebridade literária” pode soar contraditória no Brasil, uma espécie de oximoro, mas ela faz sentido na França, um país que leva os livros e a leitura – e o dinheiro que eles rendem – muitíssimo a sério. Então dizer que um autor é uma celebridade literária na França equivale a afirmar que essa pessoa tem fama e possivelmente fortuna. Nesse contexto, Emmanuel Carrère é uma celebridade literária.

E mais do que fama e fortuna, Emmanuel Carrère tem também algo que é tão valioso quanto (ou talvez mais): ele tem a atenção das pessoas. A publicação de um novo livro de Carrère na França é um evento discutido com paixão. Seus temas e artifícios literários rendem reportagens e entrevistas, e alguns processos. Isso acontece porque livros como “Um romance russo” e “O reino” têm uma peculiaridade, eles são inspirados na vida do autor. Na verdade, diz Carrère, eles são a sua vida.

Emmanuel Carrère

Para você ter ideia de como Carrère funciona. No ano passado ele deu uma entrevista para Linn Ullmann dentro do podcast “How to Proceed” (como proceder). Logo no começo da conversa, Ullmann, que também é escritora, faz um comentário bastante comum no meio literário. Ao se referir ao narrador de “Um romance russo”, um dos livros autobiográficos de Carrère, ela diz primeiro “é como se você às vezes fosse assombrado…” e depois emenda uma correção, “…ou o narrador fosse assombrado pelos vivos”. Essa é a regra. O narrador-personagem de um livro pode ter o mesmo nome, a mesma idade e todo o resto idênticos ao autor do livro, mas não se trata do autor ele-mesmo. É, na mais ousada das hipóteses, uma versão literária desse autor.

Mas não para Carrère. Ah, não.

Ele mal espera a apresentadora terminar a pergunta para dizer: “Você diz ‘você ou o narrador’, mas na verdade eu sou o narrador. Na maioria dos meus livros, não me escondo, não. Eu sou o narrador. Sou eu que falo e faço isso usando meu próprio nome. Não tenho nenhuma intenção de assumir o papel de um narrador que seja diferente de mim mesmo”.

Bastidores

Com isso, e talvez não por acaso, Carrère abraça a opinião da maioria dos leitores, uma maioria que não está interessada em teorias literárias e jogos narrativos. Se ele diz que ele é o narrador e o narrador se chama Emmanuel Carrère, então fechou. Nenhum problema aqui.

Para complicar, ou melhor, para simplificar, a ex-mulher de Carrère, no documento de separação, exigiu que o escritor jamais escrevesse sobre ela a não ser que ela autorizasse. Os dois entraram numa briga judicial por causa do livro “Yoga”, em que Carrère fala sobre a separação e sobre suas crises de depressão relacionadas ou não ao fim do casamento. A ex teve acesso ao originais, vetou a publicação do livro da maneira como estava, mas parece que Carrère não respeitou o veto e publicou o livro mesmo assim. “Yoga” é a obra mais recente dele, publicada em 2020 na França e inédita no Brasil.

Os livros

Ao falar de si nos livros, Carrère sonda o passado nazista de sua família (em “Um romance russo”, ele escreve sobre o avô que trabalhou como intérprete para os alemães durante a Segunda Guerra Mundial); analisa a própria fé católica (em “O reino”); e fala sobre as pessoas que conhece durante uma viagem que termina muito mal (em “Outras vidas que não a minha”).

Ele também tem um pé no jornalismo e, além de dezenas de ensaios e colunas na imprensa francesa, ele escreveu “O adversário” para contar a história bizarra de Jean-Claude Rommand, um sujeito que passou mais de dez anos fingindo que ia a um trabalho que não existia e a família acreditou nele durante todo esse tempo. Quando chegaram perto de descobrir a farsa, Rommand matou todo mundo: seus pais, a esposa, seus dois filhos e até o cachorro da família.

Os filmes

Emmanuel Carrère é um homem de vários interesses e também escreve roteiro para o cinema e dirige filmes inspirados em suas histórias. “O bigode”, tanto o livro quanto o filme, contam uma história surreal de um homem que raspa o bigode, mas ninguém percebe. Nem a esposa, nem os amigos mais próximos. É como se ele nunca tivesse tido um bigode. Mas ele teve e tem provas disso, mas ninguém parece dar atenção. O filme de 2005, batizado de “Amor suspeito” no Brasil (haha), é engenhoso em conduzir a situação toda.

Agora há pouco, em 2021, Carrère acabou de lançar um filme, “Ouistreham”, com Juliette Binoche no papel da jornalista francesa Florence Aubenas, que pesquisou e escreveu sobre a precariedade do trabalho na França, sobretudo na cidade portuária de Caen.

Hoje, o cineasta russo Kirill Serebrennikov, trabalha numa adaptação de “Limonov”, o livro em que Carrère fala sobre a vida e a obra do poeta Eduard Limonov (1943–2020), que escapou da Rússia para virar um mendigo em Nova York. 

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Mais que fama e fortuna, Emmanuel Carrère tem a atenção das pessoas”

  1. Sou leitor do Carrere faz um tempo, meu preferido é el adversario(li em espanhol). Queria saber porque Yoga não sai no Brasil, mesmo já tendo saido em espanhol faz um bom tempo.gostei muito do seu texto.abs

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