Dia Internacional da Mulher: um panfleto

Se as mulheres avançaram na área da cultura, parece que agora correm o risco de retroceder ao cair na armadilha de se fechar no próprio espaço e falar apenas de suas experiências

No mês em que se comemora o Dia Internacional de Mulher (8 de março), a Tate Modern (Londres) exibe os trabalhos do coletivo feminino Guerrilla Girls (Guerrilla mescla as palavras guerrilha e gorila), composto por artistas e profissionais, todas anônimas, que usam nomes de artistas famosas e escondem seus rostos (identidades) com máscaras de gorilas. O coletivo foi criado em 1985 para protestar contra uma exposição no Museu de Artes Moderna (MoMA), em Nova York, que reuniu obras de 169 artistas, sendo apenas 13 deles mulheres. O Guerrilla Girls então espalhou panfletos, pois esse é o seu meio de expressão até hoje, denunciando, não só a misoginia, como também a invisibilidade relacionada à raça e à opção sexual.

Dos anos 1980 para cá, as mulheres deram um passo em direção a uma longa escada, a qual elas ainda terão que galgar. O MoMA dos anos 80, por exemplo, não é mais o mesmo. Na segunda década do século XXI, o museu passou a exibir lado a lado as obras de artistas famosos que formaram um casal, tais como Jackson Pollack e Lee Krasner, Robert Delaunay e Sonia Delaunay, etc. Diante disso, é possível avaliar o quanto um artista influenciou o outro, sem hierarquia de gênero.

No contexto brasileiro, para me ater a nossa realidade, basta abrir os maiores jornais país para perceber que são os homens que assinam a grande parte das matérias consideradas importantes; aliás, os editores são quase majoritariamente do sexo masculino. Na área da cultura não é diferente: a maioria dos editores, dos críticos de arte, de teatro, de cinema e de literatura são homens. Às mulheres cabe um pequeno espaço, muitas vezes como colunistas sociais, ou escrevendo textos leves e resenhas (elogiosas) de livros de homens publicados por grandes editoras etc. Ultimamente, contudo, as mulheres têm se dedicado a escrever mais sobre livros assinados por mulheres, cujas histórias se baseiam em suas próprias experiências. Toda obra é autobiográfica, como diz o pensador italiano Giorgio Agamben, contudo, a “obra autobiográfica”, nesse contexto, vai além do cotidiano “feminino”: ela abrange toda uma formação estética, a qual inclui os livros lidos, os filmes assistidos etc., os quais compõem um repertório que ajuda na elaboração da mensagem artística, e esta pode não ter nada a ver com condição feminina.

Se as mulheres avançaram na área da cultura, parece que agora correm o risco de retroceder ao cair na armadilha de se fechar no próprio espaço e falar apenas de suas experiências. Nessa temática, em que elas têm lugar de fala, pelo menos são ouvidas, mas isso é o bastante? Um dos cartazes do Guerrilla Girls arrola uma lista de indícios que sugere que as mulheres e outras “minorias” estariam sendo enroladas, um deles diz que: “Todos sabem sua raça, seu gênero, sua orientação sexual, mesmo quando não conhecem o seu trabalho”. Um outro alerta para o fato de que um curador (que pode ser substituído por editor, diretor etc.) só lhes dará espaço depois de um protesto do Guerrilla Girls.
No final de semana que antecedeu o Dia Internacional da Mulher, os suplementos de cultura dos maiores jornais do Brasil foram majoritariamente escritos por homens, que falaram sobretudo de homens; mais uma vez as mulheres ficaram com os temas que lhes são “pertinentes”. A edição de março de uma revista literária importante de São Paulo, editada por uma mulher, traz um especial sobre Elena Ferrante, cujos livros abordam o mundo feminino, ressaltando, mais uma vez, estereótipos relacionados à literatura escrita por mulheres.

Os homens circulam livres e sem constrangimento por onde querem, nada mais natural. Eles têm todo o direito de fazer isso, assim como as mulheres também deveriam ter o mesmo direito. Tenho a impressão, contudo, de que, quando as mulheres saem do “quintal de casa”, elas podem até falar, mas não são ouvidas, talvez porque seus pontos de vista sejam considerados pouco relevantes.

Em outro cartaz do Guerrilla Girls, cuja metade está em branco, lê-se: “Você está vendo menos da metade do panorama. Sem a visão das artistas e dos artistas de cor”. Vamos continuar percebendo metade do panorama, enquanto as mulheres e demais minorias permanecerem silentes ou ocupando apenas os espaços que são concedidos a elas pelos homens, não exatamente quando eles querem, mas quando protestamos.

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