Daniel Montoya escreve sobre viver na contramão em Curitiba

No livro “Na Contramão, Curitiba”, autor fala da desigualdade social que em algum momento pode tocar qualquer um de nós

Não é preciso ser curitibano para entender o que é estar na contramão de Curitiba. Basta ser engolido por qualquer cidade grande para sentir como é ser ora invisível, ora protagonista de uma queda épica no trepa-trepa da pracinha. Coisas obrigatórias para quem nasce e cresce “piá de prédio”, nem classe alta, nem periferia, mas tocando diferentes círculos sociais ao longo dos anos. É assim que Daniel Montoya, autor de “Na Contramão, Curitiba”, construiu o repertório de lugares, cenas e pessoas que aparecem no seu livro de estreia. Uma soma de memórias distintas, entre os lugares da cidade e seus entornos (ou entrelugares) que acaba por construir a cidade imaginária.

Como resultado, o livro conta a história de Tainá, que perdeu o pai na infância e passou a adolescência e o início da vida adulta descobrindo o mundo enquanto a mãe, Nicole, degringolava imersa em vícios. Ao lado de Pulga e Karol, Tainá tenta manter alguma conexão consigo mesma ao longo dos anos, um exercício difícil para alguém que tinha “tudo para dar certo” e que, em algum momento, viu tudo dar errado. “Mas com Danilo e Karolyne, já não estava deste lado. Os olhares que recebia me diziam isso, mudei o zigue-zague. Não queria assustar ninguém, empurrava Pulga e Karol de um lado para o outro para fugir dos bem-vestidos, das famílias, dos guardas, e não chamar a atenção, passar sem ser vista”.

As passagens de Tainá mexem com lembranças de quem conhece bem a capital mais fria do Brasil – dizem que nevou por estas bandas em 1975. E trazem à tona algumas sensações comuns que nem a “Europa brasileira” consegue evitar, como passar em frente a uma lanchonete e ficar impregnado com o cheiro da fritura ou fazer vistas grossas para o carrinheiro que leva uma torre de cinco metros de recicláveis nas costas.

“Na Contramão, Curitiba” mostra o talento de Montoya para proporcionar uma leitura daquelas que a gente rende para não acabar logo. Cerra nossos dentes logo no início, quando o rolê na pracinha descamba rapidamente para o “Me fala teu nome, boneca?”. Sinto em informar que esse desconforto não passa mais – nem quando o livro termina – porque mesmo quando tudo parece melhor, há um flerte com coisas sobre as quais não queremos falar. Que o diga Tainá, essa curitibana que gostava do “Mez da Grippe” e que só virou livro após dois anos de sintomas que também parecem de resfriado.

Daniel Montoya

Quando fiz a Daniel Montoya a mais óbvia das questões em 2022 – “como foi escrever um livro na pandemia?” – descubro que a sua jornada até a publicação também teve um período nebuloso. Tainá, Nicole, Pulga, Karol, vô Guilherme: todos estavam prontos antes de 2020, mas entraram em suspenso (ou seria suspense?) neste longo inverno mundial pelo qual (ainda) passamos. O livro emerge depois das devidas doses de vacina, no que os especialistas chamam de “retomada do mercado editorial”, mas deixa claro que a maior epidemia de todas sempre irá nos acompanhar. Se esta história fosse escrita hoje ou amanhã, continuaria carregando as mesmas mazelas da desigualdade social que, assim como o vírus, em algum momento pode tocar qualquer um de nós.

Daniel Montoya, que assina com o quase-pseudônimo de D.K. Montoya, é curitibano, escritor, advogado, marido da Juliana, pai da Sarah, da Malu e aluno de Julie Fank, da Esc. Escola de Escrita. O livro, publicado pela Arte & Letra em belos volumes costurados à mão, é fruto do curso de Escrita Criativa e Outras Artes.

Livro

“Na contramão, Curitiba”, de D. K. Montoya. Arte e Letra, 76 páginas, R$ 40. Histórias.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Daniel Montoya escreve sobre viver na contramão em Curitiba”

  1. Me surpreendi com o livro, leitura fluida, envolvente, trechos emocionantes, fantástico! É daqueles que se lê num fluxo e que dá vontade de ler outra vez. 👏🏼👏🏼

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