I
Vamos começar pelas folhinhas de hortelã, tão letais quanto refrescantes. Do jeito que o papai gosta. Lave cinco folhas de hortelã, coloque três delas no copo com o açúcar e as rodelas de limão. Esmague tudo sem muito empenho. Adicione a cachaça dourada até quase transbordar. Misture suavemente. Decore com as folhinhas restantes. Salut!
II
— Por que essa cara? Você disse que gosta de caipirinha.
— Gosto. Mas hortelã? Nunca vi.
— Experimenta.
— Posso ver a anotação do seu pai?
Ela hesita. De mim espera a mesma adoração por tudo que vem dele. Os dedos delicados pinçam algo do bolso traseiro do jeans. Uma folha de receituário do professor doutor.
A receitinha escrita com letra trêmula. A mão que conduziu a caneta-tinteiro era pesada demais para deslizar sobre o papel. Um homem sofisticado. Um homem alcoólatra. Será que para sempre ela vai fingir que não sabe?
Estendo o braço para devolver o papel. Ela vira o rosto para esconder a mágoa.
III
— Você fez direitinho, amor.
— Você nem provou.
— Agora provei.
— E a hortelã?
— Tão letal quanto refrescante.