Como são selecionadas as peças do Festival de Curitiba?

Evento com duas semanas de duração conta com curadoria e logística que se estendem pelo ano inteiro

“Uma curadoria é a construção de uma narrativa que testemunha o nosso tempo”, define o diretor e dramaturgo Marcio Abreu. Há cinco anos, ele e o ator e diretor Guilherme Weber são responsáveis pelas histórias que a Mostra Contemporânea do Festival de Curitiba (FTC) exibe nos palcos da cidade. Na 29ª edição, o FTC começa a partir do dia 24 de março. 

A programação de 2020, já disponível no site do evento, compõe um guia de 136 páginas. Montar essa intricada grade de logísticas é, de acordo com a codiretora do evento, Fabiula Passini, um dos primeiros grandes passos do FTC. “Eles [os curadores] escolhem esses espetáculos. São muitos! Temos uma lista de 100, ou mais, que chegam a ser citados”, conta. 

O conceito base de Weber e Abreu para a seleção de obras passa, justamente, pela observação de temas e/ou questões da sociedade contemporânea: “Todos os espetáculos que programamos têm a ver, direta ou indiretamente, com as urgências das questões de hoje”, explica Abreu. Além dessa questão, que se relaciona com um sentido de renovação, segundo o curador, há outros três eixos que permeiam o preparo da lista de possíveis espetáculos. O primeiro é levar em consideração a grande – e diversa – plateia do Festival: daqueles mais ligados em teatro ao público em geral, de diversas classes sociais. 

Outro fator primordial está relacionado à visão do teatro como um conceito mais amplo: “O que a gente pode entender como teatro é muito mais do que aquilo que a maioria das pessoas pensa. Há um leque amplo de possibilidade das cenas”, destaca Abreu. Performances, musicais, textos clássicos, espetáculos de dança – tudo aquilo que o teatro pode abarcar faz parte dos critérios da curadoria.

Por fim, envolver a cidade, aproximando o público da experiência do festival para além da data do evento, é outro fator-chave para a dupla de curadores. “O que um festival, para além de um evento que dura duas semanas, deixa de vestígio na cidade?”, questiona Abreu ao falar das ações do evento que saem do palco, e se voltam aos debates e oficinas ofertadas ao longo da programação.

Em 2020, todos esses critérios se organizaram ao redor de uma pergunta central: “O que pode um corpo?”. A ideia, de acordo com Abreu, é que cada edição do FTC tenha um foco diferente dentro do projeto curatorial definido. “É quase como se cada uma delas fosse uma espécie de dramaturgia, porque tentamos criar relações entre as peças e os trabalhos programados”, explica. 

Com a seleção de espetáculos em mãos, entra em cena a segunda parte do trabalho: adaptar o desejo às possibilidades reais do evento. “É um quebra-cabeça mesmo”, brinca a codiretora Passini. Para a edição deste ano, a planilha com a programação final teve mais de 24 versões. Da grande lista inicial, para a 29ª edição estão programados, ao todo, 29 espetáculos. Datas e espaços disponíveis para as apresentações são um dos primeiros filtros do FTC – no que se refere à Mostra Contemporânea.

“É um quebra-cabeça mesmo”, define a codiretora do Festival, Fabiula Passini. Foto: Divulgação/Festival de Curitiba

O primeiro contato com as companhias é uma negociação: pedir datas, definir cachês e entender mais claramente as necessidades técnicas de cada projeto. “Já aconteceu de não conseguirmos um espetáculo porque o formato dele – a produção – era muito difícil, não se encaixava em nenhum espaço, ou porque o cenário era complicado de transportar, e não havia tempo para construir aqui”, conta Passini. Segundo a codiretora, a adaptação ou mesmo a construção de cenários inteiros costuma ser uma saída bastante utilizada pelo evento. 

A procura por novos espaços artísticos também faz parte do jogo logístico do FTC. Em 2019, o ginásio de esportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR) foi adaptado para receber peças: “Havia toda uma questão de acústica porque o teto era de zinco”, relembra a codiretora. Este ano o desafio será transformar o Palácio Garibaldi – um local de eventos – em um palco para o espetáculo “Anátema 02”. 

Muitas vezes, são as especificidades técnicas que geram os maiores desafios e exigem – além de um “plano B” na manga – uma equipe técnica qualificada na área teatral. “Quanto mais nos antecipamos com as coisas, menos problemas temos”, comenta Passini, cujo trabalho de contato com as companhias tem início no ano anterior à realização do evento.

No caso do Fringe, no entanto, o formato de participação é outro – por inscrição. As companhias se cadastram, e o Festival entra em contato para buscar atender exigências de espaço e data. Há apenas dois quesitos básicos: conseguir um espaço adequado ao espetáculo; e que 80% da companhia seja composta por profissionais, portadores de Documento de Registro Técnico, o DRT. 

Embora o Festival de Curitiba tenha a duração de duas semanas, entre curadoria e programação, uma equipe principal – de 20 pessoas – trabalha durante o ano inteiro. Com a proximidade do evento, o número vai se multiplicando até chegar aos 600 empregos diretos gerados.

Para Abreu, diante dos tempos – e do governo – atuais, mais do que ser um evento, é preciso que o FTC se coloque – de forma pública – como um espaço de reverberação do que há de melhor nos seres humanos: “É preciso colocar outro parâmetro de vida coletiva, de pensamento público de coletividade. Como podemos viver respeitando as diferenças, cultivando a liberdade e a democracia, o direito a palavra, a escuta, o outro…”, ressalta.

Serviço
Festival de Curitiba 2020
Quando: de 24 de março a 05 de abril
A programação completa, detalhes sobre as peças e valores dos ingressos podem ser conferidos no site do evento

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