Pagu Leal assina texto de “Conta-te”, sobre abusos diários sofridos por mulheres

Para a autora e diretora do espetáculo de comédia, o assédio moral no meio artístico é ainda mais forte do que em outros campos profissionais

A comédia “Conta-te”, com texto e direção assinados pela artista Pagu Leal, estreia em Curitiba falando sobre assédio moral, principalmente no meio artístico. O enredo apresenta elementos de metateatro com três atrizes de faixas etárias diferentes envolvidas no processo de criação de uma peça de teatro sobre abusos recorrentes, passando pelas “cantadas baratas” até as expressões  chulas e “corriqueiras”. No elenco estão as  atrizes Raquel Rizzo, Cleo Cavalcantty e Bia Sartoretto, que passam por conflitos de gerações e questionamentos sobre a profissão, a arte e o assédio. A assistência de direção é de Ciliane Vendruscolo.

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A ideia nasceu em conjunto com a  Procuradoria da Mulher de Curitiba e o Sindicato de Artistas e Técnica em Espetáculos de Diversões do Estado do Paraná (Sated-PR), a partir de conversas com setores da sociedade, sindicatos e categorias profissionais, em pesquisa que a autora desenvolveu sobre o tema ao longo de 2023. O espetáculo pretende despertar a consciência sobre a violência de gênero enfrentada por mulheres no Brasil, algo em muitos casos naturalizado nas hierarquias de trabalho.

Pagu Leal

A artista tem mais de 40 espetáculos profissionais como atriz no currículo, conquistou o Prêmio Reconhecimento da Trajetória através da Lei Aldir Blanc, e hoje trabalha como dramaturga, produtora e diretora artística. Ao Plural, ela conta que o abuso é mais forte nas artes apesar de todas as mulheres sofrerem com o preconceito de gênero, sobre situações pessoais e sobre como ainda “passamos o pano” para abusadores. Confira a entrevista com Pagu Leal a seguir. 

Para você o assédio moral sofrido por mulheres é mais presente/forte no meio artístico? Por quê? 

Com certeza. Nossa sociedade, sustentada por um  pensamento patriarcal conservador; sempre julgou as artistas e técnicas mulheres como mulheres de profissão duvidosa, ou atividade temporária, algo que não se fazia a sério. Além disso, posso afirmar, todas nós passamos por situações de  cantadas e abordagens cujo pano de fundo era a certeza de  que somos mais “disponíveis” ou “permissivas”. Todas as artistas mulheres, principalmente aquelas que utilizam o corpo como ferramenta, já foram vítimas de assédio moral e, infelizmente, algumas sexual.

Você passou por alguma situação como as que inspiram o espetáculo? Qual?

É claro que já passei. Mas, como a maioria das mulheres, não quis admitir ser vítima, nem causar algum atraso ou desconforto em equipes… então “passamos o pano” e, muitas vezes, ainda justificamos o abusador: “É  o jeitão dele, os diretores são assim mesmo, entre outras justificativas.” Eu já passei por gritos, humilhações, repetições da cena infinitas vezes até acharem que é suficiente, com a prerrogativa de que é o melhor para a peça; também sofri com entradas em camarins sem bater e com abusadores aproveitando-se da proximidade da cena, do escuro da coxia. 

De maneira alguma estou dizendo que essa é a realidade de todos os processos e montagens, mas sim, já aconteceu e hoje, graças ao esforço de muitas artistas, o assédio está diminuindo. E fora do ambiente de trabalho tem as frases que todas as atrizes já ouviram: “Então você mente bem?”, “Existe beijo técnico?”, “Você não tem problemas para aparecer nua”. As novas gerações de artistas mulheres não estão mais tolerando isso, o que é um avanço.

No seu ponto de vista, o que falta para frear abusos e assédios contra as mulheres na arte e em outros campos profissionais?

O que falta é rapidamente entendermos a situação e denunciarmos o assédio. O problema é que quando uma artista faz isso corre o sério risco de não ser mais chamada para trabalhar. Hoje a Procuradoria da Mulher do Município tem um canal de denúncia anônima. Estamos devagar mudando essa cultura e passando um recado claro aos abusadores.

Temporada de estreia da comédia “Conta-te”

O espetáculo “Conta-te” fica em cartaz de 17 a 28 de abril, de quarta a sexta-feira, às 20 horas; nos sábados, às 16 horas, e às 20h – com intérprete em Libras –, aos domingos, às 19h, no Teatro Cleon Jacques (Rua Mateus Leme, 4700 – São Lourenço). Ingressos gratuitos, com distribuição no local a partir de uma hora antes do início da sessão. Duração de 1h20 com classificação indicativa a partir de 14 anos de idade. 

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