Arzírio Cardoso e o potencial imenso das palavras para divertir

Cronista, que passa a publicar seus textos no Plural, explica que “é preciso ter um filtro capaz de separar o bom senso do bem sonso”

Na pequena biografia de Arzírio Cardoso, no Plural, ele diz que é paranaense de Campo Largo, “mas dá bom dia, liga a seta e não vota em Bolsonaro”. Doze palavrinhas que dizem muito sobre o senso de humor (e de decência) do cronista que foi um dos finalistas do Prêmio Jabuti com o livro “Conheço duas formas de morrer que são tiro e queda” – e que deveria ter ganhado o prêmio da categoria crônica só por causa desse título.

Fã de Millôr e de vários outros autores espertos, incluindo um certo bardo inglês que, como Cardoso, também curtia jogos de palavras, o escritor aceitou graciosamente o convite do Plural para se tornar um dos cronistas do jornal.

Na entrevista a seguir, Arzírio Cardoso fala sobre como se tornou um cronista tardio, lembra de onde veio o maravilhoso título de seu livro e revela seus objetivos no Plural. “Crescer dentro da empresa. Só estarei satisfeito quando tiver aí uma maquininha da Dolce Gusto com meu nome escrito”, diz.

#paratodosverem A imagem mostra o poeta e cronista Arzírio Cardoso.
Arzírio Cardoso: o cronista começou escrevendo textos nas redes sociais, depois publicou um livro chegou a finalista do prêmio Jabuti. (Foto: Divulgação)

Quando você começou a escrever crônicas e por quê?
Sou cronista tardio. Comecei a escrever crônica esses dias, em 2017, e foi algo completamente espontâneo, casual mesmo eu diria, ainda que eu tenha sido movido por uma grande necessidade interna. Eu estava comendo sardinha (esse será o mais fidalgo dos capítulos da minha biografia literária) do jeito que gosto de comer, direto na lata, in latura. Estava ali de buenas, garfeando os peixinhos, quando dei de cara com uma informação: “este produto contém ômega 3*”. E ao lado da informação um asterisco, que me direcionava para uma outra, essa mais espantosa: “*como todo produto desta natureza”. O estalo foi imediato. Depois do arregalar de olhos e da quase engasgada, me obriguei a parar de comer e ir correndo escrever a crônica “A língua, o asterisco e a natureza da sardinha”, tão perplexo eu fiquei com os possíveis desdobramentos filosóficos contidos naquele asterisco maroto. Escrevi o texto, para esconjurar os demônios, e esqueci dele. Até que um tempinho depois alguém compartilhou no Facebook o edital de um concurso, o Prêmio Escriba de Crônicas 2017. Eu nunca tinha participado de concursos literários, mas lembrei da crônica e resolvi me inscrever. Um dia, meses mais tarde, quando já tinha me esquecido da inscrição, começaram a pipocar mensagens e pessoas me marcando e me parabenizando por ter vencido o prêmio. E foi assim que uma lata de sardinha me fez decidir ser cronista. Se a crônica se caracteriza por emoldurar o comum, o banal, o mundano e elevá-los a matéria literária, digna de ser narrada, acho que foi um bom começo.

Você conseguiu ser indicado pro Jabuti publicando só no Facebook. Nunca tinha nem ouvido falar nisso. Como foi que aconteceu?
Eu devo ser um caso raro, senão único, de cronista que primeiro publicou em livro para só depois ir escrever em jornal. Mas antes disso realmente eu publicava os textos só nas redes sociais mesmo, especialmente no Facebook, por não ter limite de caracteres. A história do livro “Conheço duas formas de acabar com a vida que são tiro e queda”, finalista do Jabuti em 2021, também passa por um concurso, dessa vez o Prêmio Literário da Universidade Federal do Espírito Santo, em 2019. O livro ficou em segundo lugar na categoria Conto/Crônica (são gêneros diferentes, tá, gente!). O prêmio para o primeiro lugar era a publicação do livro e, para o segundo… nadinha (ao vencedor, as batatas). Mas a universidade me mandou um bonito certificado de recomendação, para pleitear uma eventual publicação junto às editoras. Em 2020 o livro saiu pela Patuá. Com um título desses, ameaça mais ou menos velada, uma delas tinha que aceitar.

Conta de onde nasceu esse título maravilhoso do tiro e queda.
Quando se investe tempo e esforço nesse tipo de coisa (jogos de palavras, tiradas, trocadilhos), as maluquices começam a aparecer. Antes de tudo, é preciso amar muito tudo isso, o imenso potencial lúdico ofertado pelas palavras. É preciso também ter um filtro capaz de separar o bom senso do bem sonso, já que nesse campo é tênue a linha que separa a sagacidade do sorvete na testa e é muito fácil se tornar o “til do pavẽ”. Algo que gosto muito de fazer, por exemplo, é pegar frases de sentido notoriamente figurado e empregá-las em seu sentido literal, como em “o pé da letra às vezes é manco”. Ou de pegar frases de sentido figurado e usá-las em outros possíveis sentidos igualmente figurados, como um casal de pulgas que transasse em cima do pé de alguém e isso significaria que a pulga fêmea deu no pé. É possível também pegar frases ou palavras de sentido literal e usá-las figurativamente, como um lutador que abandonasse os ringues por problemas mentais e saísse por aí dizendo que na verdade parou por não estar batendo muito bem. As ambiguidades certamente fascinam aqueles que sabem que a língua é um brinquedo de fazer estripulia e que ela se encanta menos com uma linha reta do que com uma “cúrva acentuada”. Quando estou em fase de intensa produção, fico o dia inteiro matutando sobre esses usos linguísticos e seus efeitos inusitados. Isso resulta invariavelmente em gargalhadas espontâneas que me fazem passar por doido ou, na imensa maioria dos casos, em autovergonha pura e simples (autovergonha é termo derivado da moderna expressão “vergonha alheia”). Às vezes, quando o resultado me satisfaz, posto a frase nas redes, pra ver se o pessoal compartilha do riso e do prazer (ou da vergonha) que eu senti ao criá-la. Foi o que aconteceu com “Conheço duas formas de acabar com a vida que são tiro e queda”, que baixou tipo santo ou tipo encosto na minha cabeça no dia 23 de janeiro de 2017, sem eu nem imaginar que estava aí o germe de uma crônica chamada justamente “Jogos de Palavras”, que eu só escreveria em 2018, e que esta seria o germe do livro finalista do Jabuti.

Dá pra ver que você tem um gosto especial por jogos de palavras. Quem são teus mestres nessa arte?
Tem uma galera. Millôr, Manoel de Barros, Leminski, Guimarães Rosa, James Joyce, Rabelais, Shakespeare (uma faceta do bardo não muito explorada criticamente), Oswald de Andrade (tenho até uma camiseta com a estampa “Tupi or not Tupi”, maior achado de todos os tempos, por sintetizar o projeto antropofágico feito uma fórmula de Einstein), Líria Porto.

O que você pretende fazer aqui no Plural?

Crescer dentro da empresa. Só estarei satisfeito quando tiver aí uma maquininha da Dolce Gusto com meu nome escrito.

Enriquecer.

Ficar famoso.

Conhecer moças.

Você pretende virar um adepto do quentão gelado?
Sim. E também da pipoca desestourada, estou bolando um método para fazer a pipoca explodida retornar ao estado de grão. Quem afirma que palavra atirada não volta é porque ainda não conhece palíndromos.

Leia mais

As crônicas de Arzírio Cardoso, no Plural (aqui).

Livro

“Conheço duas formas de acabar com a vida que são tiro e queda”, de Arzírio Cardoso. Patuá, 217 páginas, R$ 40. Crônicas.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Arzírio Cardoso e o potencial imenso das palavras para divertir”

  1. Galindo, que reportagem saborosíssima!
    E que d e l í c i a conhecer o trabalho do Arzírio!
    Agora, ‘tiro e queda’, é partir para a leitura das crônicas já publicadas e aguardar as que virão no Plural…
    Não à toa, a tradição judaico-cristã já registrou no mais famoso de seus livros, a força criativa e transformadora da PALAVRA:
    ‘E disse Deus: haja luz; e houve luz (…)’
    Que o Arzírio ‘faça luz’ nessa parceria com o Jornal.

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