Acho que entendi o fascínio de Haruki Murakami

Tinha a impressão de que ler sobre o escritor japonês era melhor do que ter contato direto com os livros; mas, enfim, isso mudou

É difícil escapar de Haruki Murakami. Como se trata do escritor japonês mais famoso do mundo, e sendo o autor prolífico que é (tem pelo menos 34 livros publicados), você sempre vai encontrar com ele por aí: em livrarias, sebos, revistas literárias e redes sociais. Mas por que, você pode pensar, alguém tentaria escapar de Murakami? 

Falando por mim: porque tentei me aproximar dele algumas vezes e nunca me acertei com seus livros. Lembro de ter lido pelo menos seis, três romances e três de não ficção. Eu lia sobre os livros, ficava curioso e ia atrás. E terminava a leitura com a impressão de que ler sobre Murakami era melhor do que ter contato direto com os livros. Qual é o contrário de instigante? Monótono? Eu não diria que os livros são monótonos, mas tem algo no estilo dele, na maneira de descrever situações e pessoas, que soa um pouco aborrecido. Como se o autor estivesse contrariado de ter que colocar aquilo tudo no papel. 

Haruki Murakami

No entanto, porque é difícil escapar de Murakami, tentei mais uma vez, com os contos de “Primeira pessoa do singular”. Mesmo aborrecido, ele ainda pode ser um escritor de metáforas curiosas e até engraçadas, além de ser um nerd de cultura pop (ele já me deu algumas boas dicas de música). 

Esse livro mais recente tem oito contos, todos escritos na primeira pessoa do singular. Esse “eu” que fala chega a se apresentar como Haruki Murakami no conto “Coletânea de poemas Yakult Swallows”, uma mistura perigosa de poesia com beisebol capaz de desafiar a boa vontade de qualquer leitor. Mas não se pode confundir o Murakami que narra com o Murakami que nasceu em Kyoto e corre maratonas. De maneira muito tímida, ele brinca com essas referências, mas não chega nem perto dos jogos literários que você encontra num livro de J.M. Coetzee ou de Philip Roth.

Os contos são irregulares e o melhor do livro, na minha opinião, é “With the Beatles”, em que o autor tem chance de declarar seu amor pela banda de John, Paul, George e Ringo. Um amor que não é pequeno, uma vez que ele chegou a usar o nome de uma canção da banda no título de um de seus romances: “Norwegian Wood”. 

Primeira pessoa do singular

É nesse conto que Murakami oferece algumas sacadas sobre envelhecer, se apaixonar e até sobre o papel da música e do cinema (e, vá lá, do beisebol) nas nossas memórias afetivas. “O mais estranho de envelhecer não é eu estar envelhecendo”, escreve Murakami, na tradução de Rita Kohl. “O que mais me surpreende é perceber que as outras pessoas da minha geração agora são velhas.” 

Em certos trechos, ele soa como um velho sábio, como quando compara a paixão por uma mulher a um guizo que ouve “no fundo dos ouvidos”. Ou quando conta que é visitado por memórias distantes que abalam o seu coração. “Como o vento noturno do fim do outono, que sacode as folhas das árvores nos bosques, deita o capim nas planícies e bate com violência na porta das casas.” 

No fim, acho que entendi o fascínio de Murakami. Ele cria narrativas sem sobressaltos e com tramas bem elaboradas. Quando há alguma tensão, ela nunca parece fora do controle.

Assim, suas histórias são reconfortantes em alguma medida. Mesmo quando falam de algo trágico. Isso faz ainda mais sentido com o livro “Primeira pessoa do singular”, todo narrado no passado. Como se o Murakami que narra tivesse vivido esses episódios há bastante tempo e agora, no livro, eles aparecessem completamente resolvidos e superados. São reminiscências.

Livro

“Primeira pessoa do singular”, de Haruki Murakami. Tradução de Rita Kohl. Alfaguara, 168 páginas, R$ 59,90. Contos.

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