A consagração

O paciente devia ter dado entrada na emergência. Estava meio desorientado, com o raciocínio embotado e se autoinfligindo graves escoriações. A parentada, em vez de esperar para discutir a situação com um médico, jogou os sintomas no Google. Resolveu que o paciente tinha um tumor cerebral. Colocou uma garrafa de vodca e um revólver na mão de um chimpanzé e mandou o bicho extirpar o problema.

Pensei que essa seria uma boa metáfora do que aconteceu com o Brasil. O país estava doidão, mas não era um paciente terminal. O problema é que agora ninguém consegue prestar atenção em mais nada, a não ser no fato de termos um macaco bêbado e armado na sala de cirurgia.

Falo, é claro, de Jair Bolsonaro. Uma das maravilhas de termos um animal vestido de termo e gravata – ou camisa falsificada do Palmeiras – na Presidência da República é que isso libera todo o resto pra fazer o que bem entender. É uma sorte danada que Ratinho Jr tenha assumido o governo do Paraná na época em que o presidente da República puxa toda a marcação. Quase ninguém discute, por exemplo, o fato de seu pai, um apresentador de TV extremamente popular, vender diuturnamente proteção para a mediocridade do executivo federal.

Mas, dizia eu, ninguém está prestando muita atenção no microcosmos. A não ser o indomável Rogerio Galindo, que na semana passada publicou neste Plural uma nota sobre a reabertura da temporada de prêmios concedidos pela Câmara Municipal de Curitiba. Entre eles – acredite, os vereadores distribuem prêmios a dar com pau – está a Consagração Pública Municipal. E entre os que serão homenageados este ano, constam uma pizzaria e um açougue.

Admito que não sou um cara muito condescendente para com a humanidade, mas nem me esforçando muito consigo pensar na grande contribuição de uma pizzaria e de um açougue para o bem o público. Quer dizer, eu até gosto de pizza, mas o que os caras fizeram exatamente? Inventaram um novo sabor, de carne-de-onça?

Carne-de-onça é, realmente, a cara de Curitiba: gelada, sem graça e se acha iguaria.

Mas, afinal, estão lá pra isso, os vereadores. Fazer basicamente nada, chancelar o que pensa o prefeito e vez ou outra propor alguma coisa aleatória, para justificar o salário. É um modus operandi de longa data.

Em 2009, por exemplo, a Câmara de Curitiba discutia se uma rua da cidade merecia ou não levar o nome de Dercy Gonçalves. A velhinha desbocada tinha acabado de morrer, e o então vereador Paulo Frote achou razoável apresentar um projeto de lei com essa proposta.

Em uma noite, discuti com alguns amigos qual rua de Curitiba merecia a graça de Dercy Gonçalves. Concordamos todos que deveria ser uma rua decrépita e desbocada do centro velho da cidade, dessas com mendigos entoando palavrões, flanqueada por botequins, bêbados profissionais, traficantes, prostituas, etc. A coisa toda. Talvez a Saldanha Marinho, ou a Travessa Nestor de Castro, ambas eram boas candidatas.

Na época, Paulo Frote justificou o seu empenho em rebatizar uma nova via da cidade com o nome de Dercy Gonçalves: “É melhor do que dar nome de peixe, fruta ou flor para as ruas. Se a pessoa tem o mérito para ser lembrada, é nosso dever destacá-la”.

Faz sentido. Deve ser mesmo muito desagradável se chamar, por exemplo, Carambola. Ou Barracuda. Eu não gostaria.

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