Imaginar a cena

Neste início de carreira – é possível isto? – de cronista com quase 70 anos de idade me pergunto: “estou dando conta do recado?”

Pelas “cartas” que recebo dos/as parcos/as leitores/as que tenho, concluo que sim. Ou será que as “cartas” são só para massagear meu ego?

Massagear ego!!!

A professora e atualmente deputada federal Margarida Salomão (PT-MG) escreveu, ao comentar umas das crônicas: “Que lindo!! Não sabia que Rosinha além de ser uma esplêndida liderança militante, era também um inspirado poeta! Adorei”.

Por vir da Margarida – professora de linguística – estufei o peito e/ou o ego. E, ao ver poesia nas crônicas me estimula a continuar escrevendo com maior responsabilidade e me imaginando poeta.

Poeta!!!

A Dione Garcia, em referência ao Dedicatórias – primeira crônica aqui publicada –, diz: “amei!” E, acrescentou: “quando leio as dedicatórias nos livros que compro no sebo, passo a imaginar a cena …”.

Que cena ela imagina?

Nelson Marques me recomendou ler uma crônica de Reinaldo Polito – que na minha ignorância nunca tinha ouvido falar – em que relata o encontro que teve com Martha Rocha, em meados da década de 1980, e posteriormente o reencontro num sebo.

Para os/as das novas gerações: Martha Rocha foi miss Brasil e ficou em segundo lugar no Miss Mundo. Era o sonho de muita gente – principalmente homens – encontrá-la e conversar e, se tivesse a chance, namorar.

Escreve Polito que quando a conheceu estava empolgado: iria lançar seu primeiro livro Como Falar Corretamente e Sem Inibições” e prometeu-lhe “que dedicaria a ela o primeiro exemplar que chegasse às mãos”, e segundo ele, assim o fez.

Anos depois, em uma visita a um sebo, Polito encontrou o livro presenteado a Martha Rocha e, entre as razões do desfazer-se do “objeto”, ele coloca a questão de espaço. Ela poderia ter muitos livros e não teria onde colocá-los. Na crônica, Polito também escreve que com a “facilidade que ela tinha para se expressar, com certeza não se interessaria muito por aquilo que eu havia escrito”. Creio que já imaginava que ela não leria o livro, tanto que já tinha registrado isto na própria dedicatória:

À Martha Rocha

com um grande abraço

e a consciência de que

não precisa dos ensinamentos

deste livro.

Reinaldo Polito

Rio, 03.03.1986.

Pode – como imagina Polito – Martha ter tido falta de espaço para tantos objetos, mas ela leu ou não livro?

Há certezas: Martha não se apegava a “objetos”, mesmo com dedicatórias do autor.

Qual foi a cena do autor ao reencontrar-se – com “Martha” agora num sebo – seu próprio livro com dedicatória a uma das mulheres mais famosa do Brasil?

Qual cena a Dione Garcia imaginaria?

Há muitas cenas que se pode imaginar. São tantas que vou enumerar algumas: 1) A cena do ato de escrever a dedicatória?; 2) A cena do ato da entrega do livro e as caras e bocas que faz o/a presenteado/a por não gostar do livro, ou não gostar da dedicatória ou não gostar de ambos?; 3) A cena do desfazer-se do livro?; 4) A cena de quem fez a dedicatória tempos depois encontrar o desprezado – presente – objeto num sebo?; 5) A cena do autor encontrado o seu livro autografado no sebo?, e, 6) A cena do leitor comum ao encontrar um livro com dedicatória?

São muitas as cenas e uma delas a Dione imagina e se pergunta “Como é está mulher? Quantos anos tem hoje?”

Esta pergunta ela se fez ao encontrar uma dedicatória num livro de Balzac, mais precisamente no Mulher de Trinta Anos.

De A. que ama minha

(A) MULHER DE TRINTA ANOS

Minha mulher de trinta anos… espero que goste deste presentinho atrasado.

Apesar de repassar em outra época, acho que este livro traz um pouco da alma feminina; anseios desejos que são marcas da alma e que permanece por milênios.

Estou muito feliz de participar dessa sua chegada à vida madura.

Como a dedicatória não está datada é impossível responder a pergunta – “quantos anos tem hoje?” – da Dione e tampouco é possível imaginar qual foi a cena que levou este livro ao sebo.

Com tanto ódio e violência na sociedade, não quero imaginar e espero que não tenha acontecido a cena de esta mulher, assim como tantas, ter sofrido agruras do machismo e do fascismo.

Sobre o/a autor/a

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