Alérgico a dinheiro

– Evandro!

– Fala.

– Olha aqui.

– Eu não vou ficar olhando a sua mão. Aposto que é aquelas brincadeiras pra me dar um tapão na cara.

– Não é isso, é coisa boa. Olha ali: tá dando uma coceira.

– O que é que tem, Martim?

– Coceira na mão, cê sabe…

– Não.

– É dinheiro chegando!

– Para…

– Juro pra você.

– Você acredita nisso?

– Acredito muito, nunca falhou. Todas as vezes que minha mão coçou era dinheiro chegando. E, pela coceira, desta vez tá vindo muito dinheiro.

(Três dias depois, no enterro de Martim)

– Meus pêsames.

– Ô, Evandro, que benção que você pode vir. Você, que esteve com ele nos momentos finais.

– Eu sinto muito mesmo. Queria ter podido ajudar mais…

– Você fez o que pode. Quem iria imaginar que ele teria um ataque alérgico tão forte pela pele toda.

– Eu até vi, começando na mão, mas quando se espalhou pelo corpo, ele meio que ficou desesperado. Gritava “Meu deus! Tá vindo muito dinheiro, tá vindo dinheiro demais!” e ria, sem parar.

– Coitado… Quando ele percebeu?

– Na hora que começou a afetar a respiração dele, que ele tava todo inchado e vermelho, ele disse:”acho que é melhor eu ir pro hospital”. Eu concordei e ainda apontei que tinha um do outro lado da rua.

– Olha só, era uma benção!

– Era sim. Só que eu fui olhar o trânsito pra atravessar, ele que tava com os olhos semicobertos pela pele inchada nem viu nada, foi logo atravessando.

– Foi aí que…

– Sim, o carro-forte pegou ele em cheio. Coisa terrível.

– Que horror, que jeito de morrer…

– Sim, um horror… Mas errado ele não tava, né?

– É… Você tá coçando a mão, Evandro?

– Tô.

– Dinheiro?

– Disidrose.

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