Apontamentos – VI

Pesadelos

Os pesadelos continuam e são cada vez mais terrificantes e ameaçadores. Aqui um exemplo:
O ex-jogador de futebol Fabrício Manini, no dia seguinte ao resultado do primeiro turno das eleições (03/10), escreveu e publicou em sua rede social online:

Depois do resultado do Primeiro turno das eleições, espero que todos os eleitores do Bolsonaro, assim como eu sou, quando encontrar alguém passando fome ou pedindo algum alimento, não ajude, passe com o carro por cima da cabeça pro País não ter mais despesas com esses vermes!!!

Eles constroem a fome, os famintos e a exploração.


Fome

Leio, na tela do computador, a informação de que a editora dois pontos, lançou uma nova edição do Geografia da fome, de Josué de Castro. Imediatamente viro-me e ao alcance das mãos, às minhas costas, tomo da estante um livro manchado, com só metade da lombada – a outra parte já arrancada – e o papel amarelado, seco, quebradiço.

Recolho-o e, com cuidado para não desmanchar, abro-o: 4ª edição, Livraria-editora da Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro e o prefácio assinado por J. C. é de maio de 1953.

Comprei-o, na Feira do Livro Usado, do Pirajá, não sei se na Voluntários da Pátria ou na Emiliano Perneta. Hoje a Feira não mais existe e o Pirajá não está entre nós.

Josué e a Geografia da Fome foram-me apresentados na década de 1970, quando estudante de medicina.

Filho de e também trabalhador rural, sonhava sair da roça, mas para isto tinha que estudar. O objetivo era largar o cabo da enxada, mas não deixar a terra, ou seja, formar-me médico para ter dinheiro e comprar alguma terra.

Iniciei o curso no início de 1971.

Durante todo o meu processo de formação médica (1971-1976) vivíamos sob uma ditadura militar. Ditadura totalmente ignorada por mim e pelo que eu saiba, por todos que comigo vivam e conviviam lá na roça.

Durante o período da faculdade morei em repúblicas de estudantes. Numa delas – a que vivi mais tempo, um dos moradores, que muitos anos depois soube, era comunista (ai, meu Deus!) – me apresentou Josué de Castro e dois de seus livros, Geografia da fome e Geopolítica da fome. Li-os.

O resultado foi impactante: mudou minha maneira de pensar. O rapaz inocente que saiu da roça para tornar-se médico, e um dia fazendeiro mudou de ideia. Tornou-se um socialista. É assim que me considero.


Bom dia

Desde criança, muito pequeno, fui educado a cumprimentar as pessoas: bom dia, boa tarde, boa noite.
Este aprendizado carrego até hoje.

Num período da minha infância caminhava muito, cerca de dois quilômetros para ir até a escola e, claro, dois para voltar. Se na estrada passasse por uma pessoa, no geral homem, e dissesse “bom dia” e ele não respondia eu passava a correr olhando para trás, para ver se ele não corria atrás de mim. Tinha comigo que quem não respondia a um cumprimento, ainda mais de uma criança, não era boa pessoa.

Frequento alguns ambientes onde há homens que não respondem aos cumprimentos. A não resposta, ainda hoje, me faz pensar que não são boas pessoas.

Hoje não corro. Todas as vezes que os encontro, os desafio e taco-lhes um “bom dia”.

A partir de hoje vou ter que avaliar se vale a pena colocar a vida em risco por dar um “bom dia”. Em Dourado (MS), três garotos disseram “bom dia” para um homem. Este ao invés de responder sacou uma arma, começou a dar tiros e a persegui-los.

Tudo por causa de um bom dia.

Será que vou ter que dizer “Mau dia”?


Algozes

Próximo domingo, dia 30, ao votar estaremos escolhendo se desejamos um governante que defenda a vida plena ou um construtor da morte. Se o atual governante vencer as eleições, nos próximos anos, só os algozes terão vida.

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