Apontamentos – I

Há tempos vivo a tentação de escrever crônicas curtas sobre fatos vividos no dia a dia. Está vontade se agravou, se assim posso dizer, durante os dias em que estive viajando. Tomei notas de alguns acontecimentos, agora o trabalho é tirar do papel e ir – ao computador – à crônica.

A disposição para tirar do papel veio quando acometido pelo covid-19 fui para o isolamento. “Isolado” revi parte das anotações, passei para o computador, já constituindo pequenos textos que poderiam gerar crônicas.

Aqui vão.


Aeroporto de Guarulhos.

Em uma das salas de empresa aérea que efetua o check-in, para Curitiba havia – desculpa o palavreado, mas fiquei irritado – bosta de cachorro no piso e, já não estava mais intacta. Pessoas pisaram, rodinhas das malas espalharam pelo corredor e de um ponto partiram vários trilhos da sujeira canina.

Irritante não?

Esta sujeira será recolhida pelas pobres – no sentido econômico, de opressão e exploração – mulheres que trabalham para as empresas de limpeza.

Sinto que algumas pessoas ainda não estão domesticadas para terem animais domésticos.


Lazarillo de Tormes

Em Todos os nomes levam ao mar, Marcos Pamplona, no Plural, escreve e descreve parte ou metade, dos fatos do seu dia na praia, na Costa da Caparica, perto de Lisboa. Nela cita seu desejo de ler Lazarillo de Tormes, num dia tranquilo.

Pela descrição do dia e da praia, parece que o dia não foi tranquilo.

Há duas coisas em comum com Pamplona: recentemente estivemos (Marta e eu) na Costa da Caparica. As praias do nordeste brasileiro são mais belas e mais quentes e só com um pouco mais de brasileiros e brasileiras.

Segundo, desde 1997, quando comprei o livro, ensaio a leitura de Lazarrillo de Tormes. Inúmeras vezes peguei-o, folheei-o e devolvi à prateleira.

Nesta última viagem à Espanha, novamente veio a promessa: assim que voltar vou ler Lazarillo.

O reacendido desejo veio quando, em Salamanca, perto da ponte romana que leva ao outro lado do Rio Tormes, há uma estátua em homenagem a Lazarillo: pela mão, ele criança, conduz o cego para fora da cidade.

Com estes estímulos e em isolamento por estar com covid, vi a oportunidade da leitura: novamente recolhi Lazarillo e coloquei-o sobre a mesa.


Título para a crônica

Após passar algumas anotações para o computador, escrever este início de crônica e ter material para mais uma veio a pergunta: que título colocar para que consiga dar continuidade a este modelo de crônica?

Não posso chamá-la de diário: não é. São simples anotações.

Meio diário: meio é metade de alguma coisa. Aqui não é metade de nada.

Quase um diário: impossível. Quase é um advérbio que é usado para indicar distância. Não cabe para o que desejo.

Na orelha do livro “As Pequenas Memórias” de José Saramago está a informação de que o autor havia cogitado dar o título de O livro das tentações. Aqui, uma vez satisfeita, a tentação, não cabe.

Saramago ao menos tinha um título. Até o momento não tenho.

Poderia muito bem chamar de garranchos desvendados, uma vez que, ao buscar os apontamentos no caderno, às vezes não entendo a própria letra: são só garranchos.

Pronto, ao compor está frase surgiu – o título – pela primeira vez no texto surgiu a palavra apontamentos.

Como já tenho material para duas crônicas decido por Apontamentos – I.

Mas, Lazarillo continua sobre a mesa.

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