Uma conversa com o ministro claramente não nazista

– Senhor secretário, bom dia. Obrigado por conceder esta entrevista pra nós.

– Claro, é sempre importante falar com a imprensa, nesta nossa democ… democ… (toma um gole d’água, respira, sorri de maneira artificial) democracia.

– Senhor secretário, causou comoção nas últimas horas a sua declaração, porque tem muitos pontos em comum com o discurso de Goebbels, o responsável pela comunicação e propaganda nazista.

– Olha, tudo isso é uma bobagem. As pessoas são muito infantis e fazem um escarcéu sobre nada.

– Mas e essa suástica no seu braço?

– O quê?

– O senhor tá com uma suástica no braço.

– Ah, uma bobagem, é uma brincadeira pré-carnaval aqui na secretaria de teatro.

– Uma brincadeira com nazismo?

– Vocês também, hein? Querem ver coisa ruim em tudo.

– Mas e essa foto do Hitler, ali na sua mesinha?

– Que foto?

– Aquela. Logo ali!

– Ah, aquilo não é Hitler. É… É… É papai.

– Seu pai?

– Sim, papai. Ele adorava Carlitos.

– E por que a farda militar e o cabelo desse jeito?

– É que… Papai… ficou na dúvida se fazia foto como “Tempos Modernos” ou “O grande Ditador”. Como não tinham macacão pra ele, o fotógrafo arranjou essa roupinha militar…. Saudades de papai.

– E essa bandeira nazista imensa atrás do senhor?

– Onde?

– Senhor secretário, está atrás do senhor.

– Isso? Isso… é um regalo que seu trouxe do oriente. Não é uma suástica, é um símbolo, tipo i-ching, sabe? Para trazer boas energias pro espaço, coisa de Feng Shui, sabe?

– Nas cores preto e vermelho?

– Isso não é vermelho, é bordô-primavera. As nossas bandeiras jamais serão vermelhas.

– Bom, secretário… É claro que o senhor realmente tem uma predileção pelo fascismo e pelo regime nazista. O senhor não acha isso antagônico à cadeira que ocupa e ao fato de que o senhor participa de um governo democrático?

– Mas de onde a imprensa tira essas ideias?

– Senhor secretário, diante dos últimos fatos…

– Quais fatos?

– Os fatos apresentados nos últimos dias…

– Mas quem apresentou os fatos?

– O senhor mesmo, numa declaração que…

– Ah, mas só porque é uma declaração minha, numa plataforma minha, no meu escritório, com a minha equipe, escrito ao final “Realização: Excelentíssimo Secretário da Cultura” vocês acham que são fatos?

– … Sim senhor, basicamente sim. Tem todos os pontos para ser um fato.

– É uma vergonha que vocês, da imprensa, possam espalhar tantas mentiras por aí.

– Senhor secretário, não é mentira, estamos numa democracia.

– Sim, sim, estamos numa democ… democ… (toma um gole d’água meio desesperado antes de sorrir novamente) democracia… Ainda.

– O que o senhor disse?

– Nada, não. É só um pensamento de papai.

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