A esperança como guia

Esse é um convite para refletir sobre a sociedade, os diálogos e a necessidade do outro para a construção de futuros

Havia um tempo em que a atmosfera da Terra estava tensa. Os rios mais turvos devido à sombra das nuvens. Ouvia-se à distância um pio longo, profundo, gélido e cortante, sem saber ao certo de qual direção. As estações não estavam mais sincronizadas, o que desorientou os humanos de forma geral. Na incapacidade da autocompreensão, tornava-se quase impossível ouvir o som ao redor. Ouvir e acolher os mais próximos já não era uma realidade.

A aldeia global fragmentava mais um pouco. Uma fenda se abriu. Talvez fosse uma fresta? Porém, parecia mais uma rachadura. Apesar de soar inocente demais, após tantos anos, ninguém mais imaginava a prevalência de uma vida estéril e desvinculada do outro. Circulava-se com a faca na boca, que poderia facilmente ser empunhada em um exercício de ameaça ou autodefesa.

“Olho por olho e o mundo acabará cego.”
Mahatma Gandhi

Aquela caverna que havíamos deixado milênios atrás, nunca esteve tão próxima. Na era tecnológica, a distração prevalece pela atualização veloz dos dados que prejudica as funções cognitivas de assimilação da realidade. Dados que endossam narrativas predominantemente antigas. Narrativas desalinhadas com o que a luz já havia mostrado ser possível superar.

No breu dessa floresta, próximo ao córrego turvo, escorrem as certezas e verdades. “De que lado você está?”, perguntam. Com a visibilidade comprometida pela ausência de luz, antes de responder, o sujeito devolve a enquete ou confirma com outro alguém por mensagem na rede social. Afinal, por mais desconexo que esteja, ainda há o medo do isolamento. O outro concorrente, porém ainda garantidor da existência.

Há quem procure se esquivar das sombras, porém elas estão lá, logo ali nos interiores. Ainda somos natureza em completude, abundância, selvageria, incerteza e treva. Nessa engrenagem, existem os semeadores esperançosos que não deixam de caminhar apesar da escuridão. Apoiam suas mãos no ombro à frente, formando fila e buscando encontrar a fenda, a fim de curá-la. São poucos ou talvez não seja possível contar. Se movem sorrateiramente para não chamarem atenção, porém seguem confiantes, nutridos de uma esperança penetrante.

Esse inverno prolongado há de passar. A fenda há de cicatrizar, e das sementes ali jogadas existe a possibilidade de florescer um novo amanhã. Quanto às sombras, elas nunca desaparecem, porém a cada vez que predominam, alertam sobre a importância de manter a consciência despertada, e alguém alimenta este fogo para que não se apague.

Não existem certezas. Desconhecemos o amanhã, porém em travessia precisaremos de todos e todas para construir um futuro. A existência se confirma pela percepção do outro.

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