Ano perdido para as escolas? Que nada. Houve muito aprendizado em 2020

Escolas tiveram de se adaptar às pressas a nova realidade. E no processo acabaram descobrindo muita coisa

Você imaginaria que uma instituição com quase cinco séculos de história já viu de tudo. De fato, a Companhia de Jesus passou por muitas transformações do mundo e sobreviveu a tudo: guerras, revoluções, mudanças culturais além, claro, de todo tipo de epidemia.

No entanto, em meio milênio, jamais os colégios jesuítas tinham precisado esvaziar suas salas de aula e conversar com seus alunos exclusivamente por uma tela de computador. A pandemia do coronavírus foi um novo desafio – e não foi um desafio pequeno. O tempo para fazer as mudanças era curto e tudo precisava ser feito mantendo os padrões de qualidade.

O Colégio Medianeira, unidade de Curitiba da Rede Jesuíta de Educação, levou duas semanas para colocar de pé seu sistema de ensino remoto. Em certo sentido, segundo o Diretor Acadêmico da escola, Fernando Guidini, a longa história dos jesuítas ajudou: os padres aprenderam a compreender entre o que fica e o que passa.

“Os 473 anos de experiência pedagógica que a Companhia de Jesus possui nos ensinam a discernimos em relação ao momento”. Até por isso, o colégio passa longe da ideia de que 2020 é um ano perdido. Houve muito aprendizado. “Estamos nos revendo como humanos, como sociedade, como educação. Em nossa leitura, são aprendizagens que levaremos para o currículo e para a vida do Medianeira.”

Desafios e ajustes

Para quem organizou tudo, a tarefa foi desafiadora. “Foram duas semanas de muita discussão interna para checagem de possibilidades, formatação do modelo e capacitação do corpo docente”, diz  Eliane Dzierwa Zaionc, coordenadora do 6º ano ao Ensino Médio do Colégio Medianeira.

Claro que numa situação tão inusitada, ninguém tem como saber de antemão tudo que irá acontecer, e foram necessários ajustes – por exemplo, criando no contraturno uma sala para que os alunos que estivessem com dificuldade no conteúdo pudessem falar com os professores.

Os professores tiveram acesso ao aluno em seu lugar mais íntimo, a casa da família. Por outro lado, não há como negar que a interação diminuiu, e foi preciso arranjar modos de conversar durante a aula, de permitir que a troca se mantivesse, e que a aula não virasse apenas alguém falando para muitos ouvirem. Mas com o tempo, as coisas foram se encaixando. E hoje a impressão é de que muitos aprendizados vieram para ficar.

A comunidade educativa se reinventou e continuou ativa nos ambientes virtuais.
Foto: Colégio Medianeira

“Houve uma grande revolução no modo de ensinar e de aprender e ela continua em curso. Vieram para ficar todas as ferramentas tecnológicas  que dinamizam as aulas e que serão incorporadas  às demais estratégias já planejadas quando acontecer o retorno ao modelo presencial”, diz Elaine Zaionc.

“Outro aspecto é a valorização  das coisas simples cotidianas  e tão caras a todos: a convivência com amigos, os professores e o reconhecimento de todo esforço que têm feito, o  cuidado com a saúde  individual e coletiva. Por último, o aprendizado desse período é sobre a necessidade de vivermos globalmente interconectados. Os problemas de outros países e de outras nações tornaram-se problemas de todos.”

Escolas públicas

Se foram iguais no mundo todo, os problemas também foram os mesmos nas mais diversas escolas da cidade. Assim como os colégios da rede particular, as escolas da educação pública também precisaram se preparar às pressas para as mudanças.

A professora Ana Lucia Maichak de Goi Santos tem 32 anos de magistério e de atuação na Rede Municipal de Educação de Curitiba. Responsável pela elaboração e preparação de materiais didáticos da área de Língua Portuguesa das séries iniciais do Ensino Fundamental, ela se viu diante do imenso desafio de produzir conteúdo para vídeo quando as aulas presenciais foram suspensas por causa da Covid-19.

Sete meses depois ela avalia que foi um período desafiador, mas cheio de aprendizados. O primeiro desafio foi o de entender melhor esse aluno e sua família. As aulas em vídeo são pensadas de forma muito dinâmica para evitar que o estudante assuma um papel de passividade. Mas o principal recurso, já utilizado em sala de aula, teve que ser readequado: os materiais complementares.

Gravação de aulas. Foto: SMCS

Na escola, nas aulas presenciais, os materiais previstos, como livros, o alfabeto móvel, estão sempre disponíveis. Mas com os alunos em casa, quem elabora as aulas precisa pensar em recursos que estejam mão em qualquer casa.

Além disso, a falta do retorno imediato que a sala de aula proporciona fez as professoras tentarem ver o conteúdo como as crianças. “Escrevo tentando elaborar as hipóteses que a criança elabora”, ela conta.

É um grande esforço de empatia. E de resiliência. “Acho que essa é a palavra-chave. É um tentar, testar, arriscar”. Para se ter uma ideia do tamanho do desafio que o ensino remoto representou, essa modalidade nunca havia sido considerada para esse período crítico da alfabetização.

Esses desafios fizeram Ana Lucia buscar trocar experiências de forma mais intensa com os colegas. Novas ideias e recursos usados nas aulas são divididos com os outros professores. “Já tínhamos um contato bem bom, e isso continuou mesmo com home office”.

Invadindo as casas

Para a pedagoga Franciele Sant-Ana Loboda, que trabalha na Gerência de currículo da prefeitura, a invasão das casas pela escola é que deve ficar de legado da pandemia. Mãe, ela vê em casa como a filha gosta de chamar a vó para acompanhar as aulas, especialmente a de religião.

Como professora, ela tenta ter esse olhar para o aluno que está em casa estudando. “A família está vendo a escola e as professoras diferente. Acho que depois [da pandemia] vamos ter ainda mais parceria entre a escola e a família”, prevê.

Mas antes de pisar na frente de uma câmera também teve um aprendizado intenso e a superação do medo dessa exposição. “Superei meus medos e vou levar isso para o resto da vida”, completa.

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