Gulliver

Eles conversam no vale dos seus dedos

Sobre seu corpo as nuvens passam
Altas, altas e geladas
E um tanto finas, como se

Flutuassem num vidro invisível.
Diferentes dos cisnes,
Não têm reflexos;

Diferentes de você,
Sem cordas para te prender.
Tudo bem, tudo azul. Diferentes de você —

Você aí, de costas,
Olhos grudados no céu.
Os homens-aranhas te pegaram,

Lançando e enrolando suas frágeis algemas,
Suas seduções —
Tantas sedas.

Como eles te odeiam.
Eles conversam no vale dos seus dedos, minúsculos vermes.
Fariam você dormir em seus armários,

Este dedo e aquele, uma relíquia.
Cai fora!
Cai fora, sete-léguas, como aquelas distâncias

Que se movem num Crivelli, intocáveis.
Deixe que este olho vire águia,
A sombra de seu lábio, um abismo.

***

SYLVIA PLATH (1932-1963) – Tradução: Rodrigo Garcia Lopes e Cristina Macedo.

Em Ariel, Verus Editora, 2007.

NOTA

Escrito entre 3 e 6 de novembro de 1962. Lemuel Gulliver, personagem de Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1667-1745). O livro narra as aventuras do cirurgião Gulliver pelo mundo, que naufraga algumas vezes e vai parar em terras estranhas. Seven leagues (sete-léguas): as botas-de-sete-léguas (cujo nome se refere ao fato de que cada passo alcança essa distância) são um elemento comum no folclore europeu, como na história do Pequeno Polegar. Carlo Crivelli: pintor italiano da Renascença, conhecido pela ornamentação no fundo de seus quadros e pelos cenários urbanos cheios de detalhes alegóricos elaborados.

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