Série “Pacto Brutal” surgiu quando Daniella Perez apareceu num sonho, diz diretor

Diretor Guto Barra fala sobre processo de criação da série em entrevista exclusiva

Em duas semanas, “Pacto Brutal” se tornou a série mais assistida no Brasil da HBO MAX. Quem ainda não assistiu deve estar com comichões: o tema “true crime” veio dos EUA e colou muito bem aqui. Crimes não faltam. Podcasts, livros e séries sobre o assunto estão pipocando. 

Uma entrevista exclusiva com Guto Barra, diretor e roteirista de “Pacto Brutal”, revela mais sobre a série. Ele diz de onde veio a ideia para fazer Pacto, como foi a negociação com a Globo e porque Glória Perez e as mulheres são as verdadeiras protagonistas dessa história.

Barra, jornalista brasileiro, já ganhou um Emmy, maior prêmio da TV mundial, e foi sete vezes indicado para a premiação. Fez séries para HBO, PBS, Disney, Food Network, TV5 Monde e Multishow, entre outros canais brasileiros e internacionais. Seu primeiro longa, “Beyond Ipanema”, documentário sobre a bossa nova – gravado no Rio, São Paulo e Nova York – deu origem a uma série, filmada também na Ásia e Europa. Especialista em séries sobre viagens, cultura pop, arte e música, Pacto Brutal é a estreia de Guto Barra no tema “true crime”. Fundou a Producing Partners com Tatiana Issa, ex-atriz e diretora, em Nova York.

Muito já foi dito, na imprensa e redes sociais, sobre Pacto Brutal. Mas eu senti falta de fazer outras abordagens. Você e Tatiana Issa – co-diretora – já responderam ao repetido questionamento “Por que não ouviram o outro lado”: todo mundo que assistiu a série inteira sabe o porquê. 

Na minha visão, a série não é só sobre o crime. É, acima de tudo, sobre Glória Perez e mulheres. Antes, eu via Perez apenas como autora de novelas e mãe de Daniella. Depois… mudou tudo.

Como surgiu a ideia da série? 

A Tatiana sonhou com a Daniella! A história é a seguinte. Esse era um assunto sobre o qual eu e Tatiana sempre conversávamos. Tatiana era atriz e estava fazendo uma outra novela na Globo, com o marido da Daniella, na mesma época. Estava próxima aos fatos, tinha essa ligação. Eu era mais reticente, eu pensava que a Glória queria esquecer o assunto. Como ela é da televisão, eu imaginava que ela mesma, ou alguma pessoa próxima, já teria feito. Uma noite a Tati teve um sonho com a Daniella e escreveu para a Glória. E ela respondeu a mensagem na hora, dizendo, agora é a hora certa.

Quanto tempo levou desde esse primeiro contato até a série estar finalizada?

Foi rápido, um ano.

Choro nos bastidores das gravações da série. Foto: Ricardo Borges

Como foi a negociação com a Globo? Eu imaginei que a série sairia na Globoplay. Ela liberou facilmente Glória Perez e os arquivos da novela?

Eu e Tatiana já tínhamos feitos três projetos na HBO e ficamos sabendo que eles tinham interesse nesse assunto. Naturalmente iniciamos as conversas com a HBO MAX. Mas Glória é funcionária da Globo. O crime aconteceu meio que dentro da Globo. Houve um alinhamento, claro, mas depois das primeiras conversas que tivemos, a Globo foi incrível. Se dispuseram a ajudar e falaram que a vontade da Glória seria respeitada, e seria feito tudo que ela quisesse. Liberaram, inclusive, outros atores para dar entrevistas. Imagino que foi por entender o quanto Glória queria contar essa história.

A equipe jurídica da HBO deve ter trabalhado junto, não é? 

Sim, tiveram que trabalhar de uma forma minuciosa, desde a fase do roteiro, até a edição. Tudo que está ali teve que ser corroborado, qual o risco de incluir isso ou aquilo. Nosso jurídico também trabalhou duro para chegar onde nós chegamos.

Como foi a descoberta de que Glória documentou, gravou e arquivou tudo sobre o caso?

A gente sabia que ela tinha um arquivo grande. Mas eu me surpreendi muito quando vi a quantidade de coisas. O que saiu na imprensa, por exemplo, estava tudo catalogado e organizado, armários cheios de arquivos. O que facilitou muito a minha pesquisa! E muita coisa da investigação dela, gravações de telefonemas com testemunhas, fotos, documentos… pra um jornalista e roteirista, ter acesso a esse acervo foi um presente. Passei vários dias na casa dela pesquisando.

Guto Barra, vencedor do Emmy. Foto: Arquivo pessoal

A Glória deu um único depoimento, não é? Quantas horas durou?

Foram três dias. Vinte horas de gravação. A gente tinha que parar, dar um tempo, tomar um café, porque são coisas muito emotivas, pesadas. Mas saímos desses três dias com uma sensação muito boa. Foi importante pra ela colocar tudo aquilo. Apesar da dureza, a gente sentiu um propósito naquilo. Ela foi muito generosa. Falou tudo, sem meias palavras.

Chorei em vários momentos da série. Qual cena fez você chorar, ou, te impactou mais?

Todo mundo da equipe chorou em diversos momentos das entrevistas. Ouvindo a Glória contar do momento em que ela encontra o corpo…. eu chorei muito quando a mãe do frentista conta que ficou com pena da Glória quando ela, depois de esperar na porta da casa dela vários dias, botou as fotos do corpo da Daniella embaixo da porta. Tudo isso pra aquela mãe deixar o filho depor. São coisas muito fortes. Difícil não se emocionar. A entrevista com Jocelia, mãe da Miriam, garotinha que foi morta com muita crueldade pelos sequestradores, também é forte… até na ilha de edição eu chorei.

A repetida exposição das fotos da Daniella morta, no primeiro episódio, me fez passar mal. Tive que parar de assistir para processar, e depois, retomar. Logo eu, que fui repórter policial nos anos 2000! Sei que foi Glória que quis isso. Como você se sentiu ao ver as fotos?

Olha, pra mim foi piorando ver as fotos. No início eu não tinha tanta ligação com a história. À medida que a gente foi se aprofundando mais, fica a impressão que você conhece aquela pessoa. Você vai vendo a dor das pessoas, da Glória, do Raul, da família. Olhar pras fotos foi ficando cada vez pior. Mas eu concordo com a Glória. É necessário expor, mostrar a crueldade do que foi feito com Daniella.

A série toca num assunto importante: o jornalismo. Muita gente pode dizer que “era o jornalismo da época“. Eu acredito que ainda se faz, e muito, péssimo jornalismo. O que você acha?

É verdade. Acho que ainda existe péssimo jornalismo. E ainda temos as redes sociais… a gente está vendo que tem muita gente que prefere abordar o aspecto sensacionalista dessa história. Justamente o que nós tentamos evitar fazer na série. Jornalismo ruim é atemporal, né.

Perez é extremamente inteligente e articulada. Incrível como as mulheres entrevistadas são todas fortes. Os homens parecem adolescentes em comparação à maturidade emocional, força dos sentimentos, relisiência e persistência das mulheres. As mães de Acari e Jocelia foram sugestões da Glória?

Eu não conhecia os detalhes da articulação, da campanha que mudou a lei sobre crimes hediondos no Brasil (liderada por Glória e Jocelia). Glória me contou quando eu estava escrevendo o roteiro e eu fui atrás da Jocelia, da história da filha, e das mães de Acari. Infelizmente não dá pra aprofundar muito sobre esse tema na série. Fiquei feliz que conseguimos botar um pouco do assunto.

Tem projetos? Quais são?

Projeto é o que não falta! Tem um monte. Eu escrevo e a gente fica tentando, apresenta pra um canal, pra outro. Tudo demora. Para a Amazon, estamos fazendo Caravana das Drags, que levou oito anos para sair do papel. Pacto Brutal acabou acontecendo rápido. Quero continuar fazendo uma variedade de projetos!

Você mora em Nova York há quantos anos? Sempre tem um pé no Brasil, não é? Aonde você costuma ir aqui?

Há 25 anos em Nova York, mas no Brasil, considero o Rio como uma segunda casa.

A trilha é de um curitibano, Felipe Ayres; como vocês o conheceram?

Quando assisti “O Caso Evandro”! Falei com o Ivan (Mizankuk) e ele me deu o contato do Felipe. Ele é incrível. Na primeira cena da série eu prestei atenção na trilha. Linda, não invasiva, pontuando a história de forma super bacana. Ele topou, e quando enviou o rascunho da primeira música, a gente se apaixonou, é isso que a gente quer! Foi a trilha de abertura que ficou na série. Ele se inspirou muito na Daniella, na leveza da bailarina que ela era, em contraste com a brutalidade do crime. É um talento muito grande.

A fotografia é incrível. Faz tempo que o Gustavo Nasr trabalha na Producing Partners, não é?

O Gustavo, não tem nem o que falar, né? Ele é muito maravilhoso. A gente trabalha há dez anos juntos. Muitos programas de viagem; ele fotografou incrivelmente. No Pacto, ele pôde fazer um trabalho com todo cuidado, com estrutura, dinheiro, isso foi muito legal. Ele se envolve com o conteúdo, os personagens, e traz um mood, um clima, que é único.

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