Nikola Tesla como personagem

Peça do Rumo de Cultura, que entra em cartaz agora em SP, tem dramaturgia consistente e muito atual

Essa coluna busca falar de livros e seus autores. Dramaturgia também é leitura, não é?

“O universo está vivo como um animal” é sobre Nikola Tesla – inventor que, entre outros feitos, criou a lâmpada fluorescente e profetizou a chegada da Internet. Mas a peça vai além. Trata-se de uma criação coletiva que envolve direção, roteiro, luz, música e cenários de forma incrível.

Realizada pela Rumo de Cultura, estreou em São Paulo essa semana para temporada até dia 22 de outubro, na Oficina Cultural Oswald de Andrade. Antes, ficou em cartaz em Curitiba no Teatro da Caixa. 

A surpresa minha, ao assisti-la, foi ver o nome de Isabel Teixeira como idealizadora, ao lado de Diego Marchioro e Fernando de Proença, que também atuam. Sim, a Maria Bruaca de Pantanal: atriz consagrada de teatro, pesquisadora, diretora, editora de livros e mais um monte de coisas. (Entrevistas com ela estão pipocando por aí, recomendo a da Piauí e da Marie Claire).

Entrevistando Diego Marchioro, ele contou que os três se encontraram em 2015. Isabel aceitou o convite de Diego e Fernando para dirigir uma peça, “LovLovLov”, criada a partir de cartas de amor de Carmen Miranda. Este trabalhou estreou em 2016. A segunda peça dirigida por Isabel na Rumo de Cultura foi “People versus People”. 

Método 

“Usamos uma  metodologia criada por Isabel, chamada Escrita na Cena. Os atores improvisam na sala de ensaio e são registrados por uma câmera. Esse material é transcrito e gera cadernos de dramaturgia. Foi assim no Lov e no People. Também no Tesla”, contou Diego.

No trabalho sobre NikolaTesla, Isabel escreveu o podcast. São três capítulos de ficção. Por causa do sucesso da novela, a atriz não teve tempo desenvolver a dramaturgia da peça.

Fernando de Proença. Foto: Lídia Ueda

“No caso do Tesla, a ideia partiu da Isabel. Ela veio com a autobiografia dele, e a partir disso, nós trabalhamos os desejos individuais de cada um”. Foi convidada, então, Nadja Naira para dirigir. Fernando, Diego e Nadja desenvolveram o roteiro. 

Corpo criativo

A peça traz um grande corpo criativo. Eu destaco o trabalho de Beto Bruel, iluminador premiadíssimo no Paraná e em outros estados, e a trilha de Edith de Camargo, atriz e cantora, que atua na peça, além de Augusto Ribeiro. 

Edith canta maravilhosamente. E usa um instrumento musical eletrônico que produz sons apenas com a aproximação das mãos, chamado Teremin, inventado em 1928 pelo Russo Léon Theremin, com base nas invenções de Tesla.

Já a canção escrita por Fernando de Proença e Ná Ozetti foi gravada por ela e Ney Matogrosso.

E a cenografia criada por Erica Storer e Fernando Osinki é fantástica. Num espaço pequeno, a luz e o cenário vão sendo construídos e desmontados durante a encenação. Cada palavra do texto, cada objeto de cena, é referendado na vida de Nikola Tesla. É um trabalho impactante, dá vontade de rever.

Desdobramentos 

O trabalho tem vários desdobramentos que podem ser curtidos em casa. Além acesso ao podcast, no site da Rumo de Cultura há uma citação de Verónique Perruchon, autora da Universidade de Lille. No artigo, ela fala da “dimensão profunda do escuro no teatro”.

“A escuridão, combatida pela humanidade, foi rejeitada, excluída da civilização” é um trecho do texto que nos faz pensar sobre a luz em seus inúmeros e intrincados sentidos.

No site tem um teaser no Youtube, fotos, e agenda com trabalhos de contrapartida. Em São Paulo, haverá sessões com libras, laboratório de dramaturgia, palestra com Beto Bruel e exibição de áudio série e documentário, a exemplo do que aconteceu em Curitiba. A entrada também é franca.

Tetralogia

“O universo” faz parte de um conjunto de quatro peças idealizadas pelo trio: a te(a)tralogia. São trabalhos autônomos sobre uma figura ícone da história. A próxima peça, “O Coveiro”, é baseada em uma oficina de dramaturgia ministrada por Diego e Fernando. Deve ser encenada em 2023. 

Diego Marchioro e Edith de Camargo. Foto: Lídia Ueda

O trabalho flui a partir dos cadernos de dramaturgia. “Todo mundo que participou da oficina vai ser convidado a assinar a peça”, afirmou Diego.

“O Coveiro” não tem como base um livro. “São as provocações das pessoas que fizeram a oficina. Mas a ideia inicial foi do Fernando, instigado pelas visitas ao Cemitério Municipal. A Isabel então trouxe textos de William Shakespeare, e descobrimos um podcast chamado Finitude, O Sepultador de Ilusões”.

O teatro hoje

Conversei com Diego também sobre o teatro atual: multifacetado, envolvendo várias pessoas e diferentes mídias, e sobre a cena retratando de alguma forma, subjetiva ou não, a realidade política. 

Ele trabalha com teatro desde os 18 anos e me disse que, para ele, teatro sempre foi um ato coletivo. “Só acredito num teatro que envolva artistas, que convide artistas para participar”.

Quanto a espelhar a realidade, Diego concordou comigo. “Em People, logo depois da Dilma ser tirada do poder, a dramaturgia fala sobre censura. Não foi planejado mas foi acontecendo assim. Tesla fala sobre a ciência em um tempo em que ela tem sido desvalorizada. Foi em 2017 que nós fomos aprovados por edital da Eletrobras. A peça trouxe o desejo de falar sobre arte e ciência, e também por em cena um pouco de esperança pras pessoas”.

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