“Juro alto só interessa a rentista”, diz Zeca Dirceu, líder do PT

Zeca Dirceu, líder do PT na Câmara. Foto: Ag. Câmara
Deputado federal que lidera bancada petista em Brasília fala em entrevista sobre política de salários, reforma tributária, bancos e muito mais

O novo líder do PT na Câmara tem muito trabalho pela frente. Não só por ser a primeira vez no posto de homem de frente do governo Lula, mas também por herdar um Brasil dilapidado pelos últimos governos pós-golpe de 2016. Zeca Dirceu, filho de Zé Dirceu, assume este ano com a missão de unificar uma câmara com intenções para lá de duvidosas e possibilitar os avanços prometidos pela campanha do PT durante a eleição. Conversamos sobre diversos assuntos, em especial sobre aqueles que dizem respeito ao empresariado, produção, economia e alimentação do país. Há muito o que ser feito, mas também um mar de oportunidades para melhorar a vida do cidadão, que ultimamente não fez muito além de sofrer pela falta de políticas públicas eficazes dos últimos anos. Os melhores momentos dessa conversa nada trivial vocês podem acompanhar na coluna de hoje:

O Brasil tem a maior taxa de juros do mundo. O governo atual está em confronto direto com o presidente do Banco Central para alinhar as suas estratégias desenvolvimentistas à política instituída pelo indicado de Bolsonaro. A quem interessa a manutenção da alta taxa de juros e qual a perspectiva que a população pode aguardar para os próximos meses com relação à política monetária nacional?

A alta taxa de juros interessa ao rentista, aquele que possui recursos financeiros acumulados e não quer aplicá-los em atividades de risco, especialmente as produtivas, muitas das quais, com o patamar atual dos juros, ficam inviabilizadas. Interessa também ao setor financeiro, que administra recursos que, com taxas mais baixas, seriam em grande parte destinados a aplicações no setor real da economia, para produzir bens e serviços. O Banco Central subiu as taxas como resposta ao forte aumento da inflação ocorrido no governo Bolsonaro, mas isso levou à retração da economia já a partir do último trimestre de 2022. O BC é um órgão autônomo, mas espera-se que ele considere essa realidade e reduza a taxa básica de juros para que a economia possa retomar o crescimento, gerando renda e emprego.

A reforma trabalhista não entregou o que prometeu. Só serviu para as grandes demitirem, para baixarem o salário médio (desaquecendo a economia) e não criou os empregos esperados. Como o novo governo vê as atuais flexibilizações das forças de trabalho e quais os planos de adequação à CLT para que de fato se gere mais empregos e eleve o salário médio?

No pós golpe de 2016, houve uma liberação sem limites para a terceirização de serviços, nas esferas pública e privada. Em seguida, consolidou-se a fragilização das garantias de direitos para os trabalhadores com a reforma trabalhista, que dissociou o trabalho da garantia de direitos e da proteção à parte hipossuficiente, de quem precisa vender sua força de trabalho para garantir sua subsistência. As reformas precarizaram as formas de contratação, causando redução dos salários e das contribuições sociais. Tudo isso com forte discriminação ao movimento sindical.

Diante desse histórico recente, o governo criou um Ministério do Trabalho autônomo num novo ambiente para dialogar e reconstituir as soluções para os graves problemas, valorizando o diálogo social com o alicerce no tripartismo, base dos compromissos internacionais no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nesse sentido, o governo estabeleceu Grupos de Trabalho para discutir a valorização do papel dos sindicatos em negociações coletivas e a regulamentação do trabalho via plataforma ou aplicativos. A centralidade é a geração de empregos de qualidade, o crescimento da remuneração e a justa atenção com a igualdade salarial entre mulheres e homens junto à garantia das políticas de proteção social, inclusive para quem trabalha por conta própria, autônomos e juventude, além da gestão eficiente da intermediação de mão de obra e a retomada das ações de qualificação profissional como mecanismos de combate da pobreza e das desigualdades. Tudo isso indica a linha do Governo Lula para enfrentar as mazelas no mundo do trabalho no país.

Hoje, parte determinante da inflação é causada pela desindustrialização brasileira, que faz com que muitos componentes utilizados na economia sejam importados. Com o câmbio flutuante, a produção e comércio brasileiros ficam extremamente vulneráveis à flutuação da moeda, aumentando os preços na medida em que a moeda desvaloriza. Hoje, o pib nacional é muito pouco composto pela indústria que, em última instância, é quem consome do setor de serviços, tanto seus funcionários quanto suas empresas. Há alguma agenda específica para a retomada da industrialização nacional no novo governo?

Com efeito, a economia brasileira sofre com a desindustrialização desde a década de 1990. Com isso, a participação de importados, seja como insumos do que é aqui produzido ou como bens finais, é cada vez maior, sujeitando os preços internos às flutuações da taxa de câmbio. A desindustrialização também desacelera o aumento da produtividade e reduz o número de empregos qualificados e bem remunerados que são gerados pelas atividades industriais. O governo tem claro que esse processo é prejudicial ao país e deve ser revertido, e é com esse objetivo que tem trabalhado, em especial, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, conduzido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, reconstruindo instrumentos e estruturas governamentais para desenhar e implantar uma tão necessária política industrial para o país.

A reforma tributária é algo esperado e ansiado pelo empresariado brasileiro há tempos, em especial no que se refere às alíquotas referentes a folha de pagamento, maior imposto fora do Simples Nacional, para o setor de serviços. Não é justo que as alíquotas sejam a mesma para uma multinacional e para uma padaria. O partido planeja rever essa paridade entre negócios de portes tão diferentes?

Neste semestre, tanto o governo como a Câmara dos Deputados têm trabalhado intensamente na reforma dos tributos indiretos (PIS/Pasep, Cofins, IPI, ICMS e ISS), que envolve alterações constitucionais e já estava em estágio avançado de discussão no Congresso, com PECs largamente discutidas tramitando nas duas casas. Já para o segundo semestre, está planejada a tão necessária reforma da tributação da renda, passo importante para reduzir a enorme desigualdade social no país. É em conjunto com essa reforma que deve ocorrer a discussão da tributação da folha, que de fato carrega várias distorções. Estaremos empenhados em reduzir essas distorções, ao mesmo tempo em que asseguraremos a sustentabilidade da Previdência Social, responsável por garantir o sustento de dezenas de milhões de pessoas no país.

O ICMS é um imposto estadual que alimenta rubricas importantes do orçamento e garantem muita da seguridade social que atende grande parte da mão de obra dos estados. O ex-governo desonerou-o em uma manobra eleitoreira que, não só foi ineficiente para seus intuitos desonestos, quanto também provocou grandes rombos em diversos orçamentos. Seu estado, o Paraná, aumentou recentemente a alíquota do ICMS para cobrir o rombo. Qual é o papel do governo federal neste caso? E qual a sua opinião sobre isso?

O governo Bolsonaro, até então totalmente insensível à elevada inflação que corroía a renda da população, passou a tomar medidas desesperadas para tentar evitar a derrota nas eleições de 2022. Dentre elas, reduziu subitamente a tributação federal sobre os combustíveis (mas só até o final do ano, empurrando o problema para o governo seguinte), e obrigou os estados a reduzirem fortemente a tributação sobre combustíveis e energia elétrica, privando-os de fonte crucial de recursos para custear serviços públicos e programas sociais para a população e o próprio funcionamento do governo. Isso afetou negativamente a todos os estados, inclusive aqueles cujos governadores apoiaram Bolsonaro, como é o caso do Paraná, que, em resposta, aumentou o ICMS sobre os demais bens, fixando a alíquota base mais elevada do país. Com a reforma tributária que o governo federal, em conjunto com o Congresso, está impulsionando, busca-se desenhar um sistema mais simples e claro para a população, onde medidas enganadoras como as promovidas por Bolsonaro não terão o efeito eleitoral esperado, sendo assim desestimuladas.

Estamos com tabelas de faturamento muito defasadas para as empresas contempladas pelo Simples Nacional e para os MEIs. O governo tem algum plano para uma maior renúncia fiscal para estes empreendedores que compõem 70% do emprego no Brasil? Estudam-se maiores vantagens competitivas?

Num primeiro momento, o foco do governo está na reforma da tributação indireta, que simplificará e eliminará múltiplas distorções hoje existentes que travam o crescimento econômico. Isso impulsionará a atividade das micro e pequenas empresas, aumentando sua lucratividade e capacidade de gerar empregos.

O endividamento das famílias e das empresas é uma realidade nacional. É preciso urgentemente realavancar o consumo de grande parte das famílias, através da liberação de crédito. Além disso, o teto do imposto de renda e a aposentadoria de muitos brasileiros que recebem poucos salários mínimos estão defasados há décadas. Todos esses fatores contribuem e muito para a recessão a qual atravessamos há anos. Quais são os planos do governo com relação a esses temas?

Após anos estagnado, o salário mínimo no governo do presidente Lula voltou a crescer em termos reais, e o governo está trabalhando numa proposta para que o aumento continue nos próximos anos, impulsionando a renda de dezenas de milhões de trabalhadores, aposentados e pensionistas em todo o país. Por sua vez, a faixa de isenção do imposto de renda, congelada desde 2015, foi finalmente atualizada neste ano, fazendo com que milhões de pessoas deixem de pagar o tributo. Em outra frente, o governo tem trabalhado no desenho do Desenrola Brasil, programa que facilitará a renegociação das dívidas da população, em especial a de renda mais baixa, permitindo que volte a tomar crédito. Todas essas medidas são fundamentais para que a população possa consumir mais e as empresas produzirem e investirem mais, impulsionando o crescimento econômico e gerando emprego e renda no país.

A primeira era Lula financeirizou ainda mais o país e, apesar de avanços terem sido feitos nos quadros sociais, o tempo provou a estratégia insustentável. O quadro atual é de uma economia na mão dos bancos e investimentos largados de lado por conta da absorção de capitais, pelos investimentos financeiros, em detrimentos dos da economia real. Hoje, ainda que empregue 70% da mão de obra do país, o empresário conta, na maioria das vezes, com o cheque especial – e seus acachapantes juros – para cobrir os investimentos em seus negócios. As linhas de ajuda são difíceis de acessar e incipientes. Ao mesmo tempo, os bancos reinam soberanos com juros assassinos sobre negócios e vidas. Quais são as expectativas que o povo pode ter para que se quebre este desequilíbrio?

O poder do setor financeiro no Brasil é de fato muito alto, e se materializa entre outras coisas nas taxas básicas de juro e nas taxas pagas pelas pessoas e empresas extremamente elevadas. Os governos anteriores do PT tomaram iniciativas para reduzir esse efeito perverso que corrói a renda da população e absorve o caixa das empresas, deprimindo as perspectivas de crescimento da economia, mas certamente muito ainda deve ser feito. É nesse sentido que os movimentos do novo governo Lula apontam. Assim, o BNDES, cujo objetivo nos últimos anos foi basicamente o de viabilizar privatizações, voltará a financiar investimentos usando taxas compatíveis com a rentabilidade da atividade produtiva. Será ampliado e facilitado o acesso aos mecanismos de garantias do governo, permitindo a redução das taxas nos empréstimos concedidos pelos bancos. Também vai-se buscar promover a concorrência no mercado de crédito para baixar essas taxas. E mais: o governo buscará a previsibilidade, estabilidade e credibilidade da política fiscal para permitir ao Banco Central reduzir a taxa básica de juros. A população pode ter certeza de que o governo procurará reduzir a cunha financeira que se abate sobre pessoas e empresas no país.

A inflação sobre os alimentos é outra realidade que mandou milhões de brasileiros de volta para quadros vergonhosos de fome e insegurança alimentar. Quais são os planos do governo para lidar com essa situação? Não seria interessante desonerar restaurantes e serviços de alimentação para fomentar mais o setor como um todo?

O governo dará impulso ao crédito e à assistência técnica à agricultura familiar, responsável por grande parte dos alimentos que comemos. Isso permitirá expandir a produção que, no caso de vários produtos e regiões do país, retrocedeu nos últimos anos. Com maior disponibilidade, os preços dos alimentos tendem a cair. Ao mesmo tempo, o governo pretende reativar o sistema de estoques públicos, praticamente abandonado pelos últimos governos. Tais estoques podem contribuir decisivamente a reduzir as violentas flutuações nos preços que afetam tanto a população mais carente.

Por último, corrupção. O governo Lula é reconhecido por muitos brasileiros como um governo corrupto, ainda que o próprio Presidente já tenha quitado qualquer dívida com a justiça e seus acusadores desacreditados. Nesta celeuma está presente a figura de seu pai, de quem você herdou grande parte do seu capital político, em especial no começo de sua carreira. Na sua opinião, quais são os caminhos para não só lidar com essa narrativa, mas também reverter a percepção pública de uma parte significativa da população com relação ao Partido do qual você agora é líder no Congresso?

Em primeiro lugar, é importante apontar que a narrativa da “corrupção do PT” é um produto da grande mídia e de setores da elite e do Judiciário que se opuseram aos governos do PT na tentativa de derrubá-lo. É claro, denúncias de corrupção podem aparecer em qualquer lugar e período, e devem ser investigadas; e, se comprovadas, os responsáveis devem ser punidos conforme a lei. Mas isso só pode ocorrer se os agentes do Estado estiverem capacitados e possuírem a autonomia para investigar e punir. E foi justamente durante os governos do PT que os órgãos de controle do Poder Executivo, em especial a Controladoria Geral da União e a Polícia Federal – mas também a própria Procuradoria-Geral da República – foram fortalecidos, tanto em termos financeiros e humanos, como em prestígio, e passaram a deter a autonomia necessária para desempenhar suas funções e, assim, identificar e contribuir decisivamente para a punição dos eventuais responsáveis pelos desvios, mostrando o compromisso dos governos do PT com o combate contínuo à corrupção.

Lembre-se que o ex-juiz Moro, com apoio de grande parcela da mídia, fez uma cruzada contra o PT e o presidente Lula, com mentiras e manipulações, para garantir a eleição do ex-capitão do qual se tornou ministro. E ainda quebrou várias grandes empresas, destruindo milhões de empregos. Felizmente, a população brasileira percebeu essa grande mentira e trouxe Lula de volta, para reconstruir e reunificar o Brasil em torno de um projeto nacional democrático, popular e com respeito à soberania do país, ao meio ambiente e aos direitos sociais e trabalhistas do povo brasileiro. A volta de Lula ao Planalto já trouxe uma coisa boa: a plena autonomia operacional da Polícia Federal, para combater todos os tipos de crime, depois de ficar quatro anos aparelhada por um governo apoiado por milicianos e setores da elite que enriqueceram assustadoramente, enquanto a maioria da população empobreceu e a fome voltou ao Brasil.

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