Desmonte no combate à tortura

Extinguir os 11 cargos de Combate à Tortura pode ampliar a violência nos presídios e nas ruas

Em sua história, o Brasil tem inúmeros registros de agressões, violências e desmandos praticados por parte do Estado. Esse histórico prevaleceu por séculos no país, se enraizando no cotidiano da população e fazendo com que os órgãos de proteção fossem temidos, principalmente pelas classes sociais mais baixas. Após o fim da Ditadura Militar em 1985, a sociedade brasileira foi mobilizada para que em um esforço conjunto alterasse essa cultura violenta. A promulgação da Constituição de 1988 trouxe inúmeras medidas e mecanismos para que o país pudesse controlar a repressão estatal.

Pela primeira vez em sua história, o Brasil vive um período tão longo de democracia plena. Nos últimos 30 anos tivemos inúmeros avanços. As instituições foram fortalecidas. O Brasil virou signatário de inúmeros tratados internacionais. O brasileiro passou a ser amparado em sua luta contra injustiças. Os problemas persistem, é claro. Mas tínhamos a quem recorrer. A quem denunciar.

Mas o que temos vistos nestes seis primeiros meses de governo Bolsonaro é um desmonte dos órgãos de fiscalização, principalmente daqueles voltados às minorias e aos mais dependentes de ações do Estado. Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) decidiu extinguir os 11 cargos de peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. A medida não vai aliviar os cofres públicos, mas pode ampliar a violência nos presídios e nas ruas. Na época em que atuei na Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR, tive a oportunidade de acompanhar o trabalho do órgão em casos de tortura ocorridos no Paraná. Pude constatar a eficiência do trabalho realizado pelos peritos.

Ex-militar, expulso do Exército por indisciplina e insubordinação, o ex-deputado Bolsonaro manifestou apoio à tortura no passado. Em um país que tem a terceira maior população carcerária do mundo, com cerca de 800 mil pessoas atrás das grades, é evidente que a decisão do presidente da República de extinguir os cargos acarreta um desmonte da já frágil política nacional de combate à tortura.

Denúncias

Os peritos do órgão eram responsáveis por fazer levantamentos de dados e analisar denúncias de violações. Eram produzidos relatórios com recomendações ao poder público para auxiliar no combate e prevenção de violações de direitos.

Na segunda quinzena de maio, estive em Brasília para apresentar um relatório sobre o panorama do sistema penitenciário no Paraná a diversas instituições e autoridades. Fui recebida no Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura pelos auditores José de Ribamar de Araújo e Silva e Bruno Renato Nascimento Teixeira, que demostraram preocupação com a situação paranaense. Com base no que apresentei, estavam preparando uma missão para vistoriar penitenciárias e outras instituições de privação de liberdade no estado.

No texto do Decreto 9.831, o governo diz que manterá ações com fiscais voluntários, desde que não tenham vínculos com ONGs e universidades. Os fiscais voluntários terão que ser designados por ato direto do presidente. Partindo de um político com o histórico do presidente Bolsonaro, prevejo que a fiscalização não será tão efetiva. Pela minha experiência como voluntária, sei que a maioria das pessoas não tem condições de se dedicar a um trabalho fundamental ao Estado de Direito, que é de âmbito nacional.

O Brasil dá mais um passo gigante ao passado.

 

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