Museus, Ciência e combate ao discurso de ódio

O foco é dar cada vez mais sentido ao famoso slogan "Holocausto nunca mais". Que não seja uma frase dita em vão

A existência de um museu precisa estar em sintonia constante com as discussões acadêmicas. É ali que surgem as tendências, debates, redirecionamentos teóricos e metodológicos. Mais do que isso, museus (de qualquer temática) precisam estar sempre ao lado CIÊNCIA. Essa mesma, tão afrontada e maltratada por setores negacionistas da sociedade que, por interesses nefastos, buscam alterar os paradigmas da produção do conhecimento.

Está ocorrendo aqui em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), o maior evento científico da América Latina: a 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que reúne pesquisadores e figuras relevantes do mundo inteiro. No último domingo (23), graças ao contato da professora Ligia Bahia, um grupo especial desses pesquisadores participou de uma visita mediada ao Museu do Holocausto de Curitiba – dentre eles, o ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff, professor Renato Janine Ribeiro.

Na terça-feira (25), parte da equipe do Museu esteve durante o dia no Centro Politécnico da UFPR para participar das discussões e acompanhar, por exemplo, a mesa-redonda “O papel da Educação e da Ciência para superar, na Alemanha e no Brasil, o Preconceito e o Ódio”. O evento teve a co-organização do Centro Alemão de Ciência e Inovação São Paulo (DWIH Brasil), foi mediado pelo professor Paulo Artaxo (USP) e contou com a participação de dois acadêmicos alemães, Monika Oberle (Universidade de Göttingen) e Jochen Hellmann, além do professor Michel Gherman (UFRJ). A principal proposta do encontro era debater a resiliência do Estado e da sociedade por meio da atuação de seus sistemas de ensino e Ciência, inclusive no plano dos afetos, para fazer frente ao perigo constante de ameaças de autoritarismo. Não apenas pelos fatídicos acontecimentos do 8 de janeiro, mas são óbvias e impactantes as relações e as necessidades imediatas de fortalecimento da educação política e de nossas instituições democráticas.

No mesmo dia, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, influenciada pelo grupo que visitou o Museu do Holocausto de Curitiba, anunciou durante uma mesa-redonda na UFPR, a criação de um memorial para prestar solidariedade às vítimas e lembrar os erros cometidos na pandemia. Aspas para a ministra: “Como falei do Holocausto, e tem sido uma marca dos museus de Holocausto e espaços de democracia em todo mundo nos países que viveram a ditadura, (…) nós teremos um memorial da Covid e teremos uma política de memória desse triste tempo.”

Estamos entusiasmados por esse momento, em que a valorização da Ciência e o combate ao discurso de ódio se apresentam como política de Estado – basta ler o Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil, criado pelo grupo de trabalho do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Dentre as recomendações, destaco uma de suma importância para o nosso trabalho: “avaliar experiência da pedagogia sobre o Holocausto, com enfoque especial nas condições políticas e processos sociais que propiciaram sua ocorrência, sua manutenção e sua relevância na atualidade, bem como a nova gramática do pós-fascismo e pós-nazismo que ressurge na atualidade sem o uso de símbolos e figuras tradicionais, mas com discursos semelhantes aos do passado.

Junto a isso, a entrada do Brasil como (por enquanto) membro observador da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA) é mais um impulso importante para que essa educação seja transformada em cada vez mais políticas públicas que envolvam temas como genocídios, Holocausto, fascismo, antissemitismo e letramento antinazista. Méritos para o Ministério das Relações Exteriores/Itamaraty, que desde meados de 2020 não tem medido esforços nesse projeto. Projetos educativos em parceria com a UNESCO Brasil e o Museu do Holocausto de Washington (EUA), por exemplo, já estão em andamento e saindo do papel – e o prognóstico para mais iniciativas similares é dos melhores.

A luta contra a vulgarização do Holocausto, a proliferação de notícias falsas, o crescimento do antissemitismo e dos grupos neonazistas, a ocorrência de processos genocidários no mundo e os ataques violentos e covardes contra as nossas escolas precisam fazer parte do esforço diário de transformação do nosso entorno. Nosso foco é dar cada vez mais sentido ao famoso slogan “Holocausto nunca mais”. Que ele não seja uma frase dita em vão.

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