Precisamos falar mais sobre o egoísmo

Uma ideia é viva e cobra o preço por existir

O brasileiro tem lá suas qualidades, mas o egoísmo anda mais marcante. Aqui tem sido terreno fértil para toda ideia que pregue a premissa do ”cada um por si”. O fundamentalismo econômico do neoliberalismo pede vacina para quem tem dinheiro e morte pra quem é pobre, já o religioso arquiteta a própria salvação no cartão de crédito trazendo benção financeira para aquele que se esforça, apesar do ministro da Economia ser o Paulo Guedes. E claro, há esse imperativo de lucro que fetichiza as relações sociais. A contabilidade passa a pautar a vida cotidiana: “investir o tempo” e “lucrar com a relação” são alguns exemplos. “Mas o que você lucra gastando seu tempo ajudando um lar de adolescentes órfãs ao invés de investi-lo em outra coisa?” É um tipo de frase que já escutei muitas vezes na vida.

Parece que não há mais espaço para a alteridade e a empatia. O amor ágape, do grego, aquele sem condições, termos e compromissos.

Aliás, amor não pode ser explicado pela lógica neoliberal que tenta encaixotar tudo na lógica mercantilista. Amor é um tipo especial de coisa que quanto mais se dá mais se tem.

Arte e a ciência não cabem nem na caixinha neoliberal, nem na do egoísmo. As duas são receptáculos por excelência da inventividade humana – sem possibilidades de se enquadrarem no mito da autorregulação –, pois na arte e na ciência nos lançamos em direção que não garante o lucro ou o retorno do tempo investido. É a pulsão, a curiosidade e a paixão correndo soltas. É o amor ágape – termo grego para o amor não egoísta – direcionado não apenas para outra pessoa, mas para o mundo, como algo a ser conhecido. Amar o outro requer estar ciente de que a forma que o outro é hoje não é absoluta e imutável. Amar o mundo requer vê-lo como ele de fato é: um todo de possibilidades infinitas. Depois pode até rolar uma grana de uma invenção ou de uma obra de arte, mas até lá muita liberdade é necessária.

Só que a liberdade pede uma grande dose de fraternidade e alteridade. A arte requer alteridade para deixar outros mundos atravessarem nossos mundos e a ciência requer fraternidade para unir o mundo na direção do progresso.

Existe lucro? Sim, mas não do tipo que se mede na regra capitalista ou no compasso do egocentrismo. Esse lucro se mede pela proporção daquilo que ainda não somos, mas poderíamos – e, porque não, podemos – vir a ser. O retorno de um mundo mais íntegro e justo que passa a existir no mesmo momento em que é construído.

Até que ponto esse egoísmo não impregna toda uma classe e já se transformou em política? Que relações sociais estamos tecendo em uma nação composta de indivíduos ilhados pela negação do social e, portanto, ausentes de empatia? Precisamos falar sobre isso.

O fundamentalismo determina formas de psicologia e, por conseguinte, formas de viver muito além de propostas econômicas ou ritos religiosos, uma ideologia fundamentalista exige uma psicologia para se viver.

O escritor e psicanalista junguiano Jordan Peterson, autor do livro Além da Ordem, escreve que ideias tomam conta das pessoas, querem se expressar, viver no mundo. Ideias pedem por objetivos e impõem sistemas de valores.  Elas reduzem o mundo àquilo que ajuda ou impede a sua realização, reduzindo tudo mais à irrelevância, fazendo de quem a tem uma espécie de avatar. Às vezes a ideia possui a pessoa de maneira tão forte, que essa ela prefere morrer no lugar da ideia. Uma decisão muito ruim, pois são as ideias que devem morrer em nome da evolução do pensamento, fazendo com que caminhemos rumo ao futuro como versões melhores de nós mesmos.

Se sofremos, são as convicções mais fundamentais que precisam morrer para dar lugar a uma vida melhor. O que os brasileiros se tornarão se o egoísmo seguir ditando os caminhos da nação?


Para ir além

O não fazer de todo dia
Os lábios de Cyndi
“Viva a morte!”

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