1964 – antes da gripezinha, a ditabranda…

Ainda há quem comemore o 31 de março; acreditaram no PIG – o Partido da Imprensa Golpista – ignorando a diferença entre revolução e golpe de estado

Em editorial publicado no dia 17 de fevereiro de 2009, o jornal Folha de S. Paulo deu uma mancada sem tamanho: classificou a ditadura brasileira (1964-1985) de “ditabranda”. Na opinião do jornal, que apoiou o golpe civil/militar de 1964 que derrubou o governo constitucional de João Goulart, a ditadura brasileira teria sido “mais branda” e “menos violenta” do que a de outros regimes similares na América Latina.  

Ainda dos registros da época: a Folha não foi original na escolha do termo. Em setembro de 1983, o general Augusto Pinochet, em resposta às críticas dirigidas à ditadura militar chilena, afirmou: “Esta nunca foi uma ditadura, senhores, é uma dictablanda”.  

A redentora – para quem?  

Por conta de manifestações comemorativas ao golpe civil-militar de 31 de março de 1964, também decantado como revolução redentora, na verdade um tremendo 1.º de abril, dia da mentira, há quem tenha recorrido a uma velha crendice popular – já que nem todos aprendem com o passar do tempo e ignoram verdades históricas. E, assim sendo, o jeito é bater 3 vezes na madeira para afastar o azar, reforçando o gesto com um sonoro vade-retro, satanás!  

E, ato seguinte retirou da prateleira um livro de 2004, Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988, Editora Boitempo. Nele, Beatriz Kushnir, mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense e doutora em História Social do Trabalho pela Unicamp, destaca:  

– Além de apoio financeiro, logístico e militar dos Estados Unidos, alguns setores da própria sociedade brasileira, severamente bipolarizada na época, com apoio de parte da chamada grande imprensa, grandes proprietários rurais, boa parte da classe média e de grupos conservadores e anticomunistas da Igreja aos golpistas deixaram claro que o golpe não foi apenas militar, mas civil-militar.  

Memória curta ou amnésia?  

E alguns veículos, para não dizer quase todos da chamada grande imprensa, custaram reconhecer a grande mancada e, quando os donos do poder baixaram o AI-5 (Ato Institucional-5), o JB (Jornal do Brasil), do Rio de Janeiro, edição de 14 de dezembro de 1968, deu de manchete:  

– Governo baixa Ato Institucional e coloca Congresso em recesso por tempo ilimitado.  

Mas a reação (que era de se esperar) do jornal não veio acompanhada de matérias e reportagens, muito menos em forma de editorial. Limitou-se, o que não deixou de ser até uma boa sacada, para se livrar da censura e tentar aliviar o peso da patética omissão jornalística, a um pequeno espaço, em uma coluna, do lado esquerdo, no alto da primeira página. Cantinho que atraía os leitores logo ao amanhecer, posto que, tradicionalmente, era reservado à previsão do tempo. E aí saiu uma previsão que, para o bom entendedor, não teve como origem o Serviço Meteorológico:  

– Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Max.: 38°, em Brasília. Mín.: 5°, nas Laranjeiras.  

O recado para bom entendedor: a ditadura civil-militar de 64 endurecia ainda mais o regime. No dia anterior, 13, a previsão do tempo era de fato relacionada à meteorologia com os tradicionais boletins:  

– Tempo bom. Temperatura: em elevação. Ventos: norte, fracos. Visib.: boa. Máxima: 32,1. Mínima: 16,7. Mais detalhes na 1.ª página do Caderno de Classificados.  

Revolução ou golpe?  

Os cinco generais que comandaram o Brasil durante o regime militar.

E sempre vale lembrar, já que até alguns políticos andaram rasgando elogios à revolução redentora de 64, no dia 31 próximo passado:  

– Golpe de estado: ação de uma autoridade que viola as formas constitucionais; conquista do poder político por meios ilegais.  

– Revolução: mudança brusca e violenta na estrutura econômica, social ou política de um Estado. Exemplo: a Revolução Francesa.  

– Quartelada: movimento sedicioso, sem bases sociais, provocado por militares; golpe.  

Quartelada com o fomento e apoio do velho PIG – o Partido da Imprensa Golpista, como bem espinafrou o jornalista Paulo Henrique Amorim, sempre fulminante em seu site Conversa Afiada.  

Explícito e insidioso  

Ainda de Beatriz Kushnir, sobre o AI-5, imposto em dezembro de 1968.  

– A censura se configura, pois, como um ato violento, explícito, mas também insidioso, a demonstração cabal do reconhecimento da força das ideias do inimigo, o recuo para um lugar onde o debate e o conflito de opiniões cedem suas posições à violência.  

Os jornalistas não combateram em bloco o arbítrio. Assim, jornalistas que se tornaram colaboracionistas se tornaram, na feliz expressão da autora, cães de guarda, como destaca Stella Bresciani, autora do prefácio. Cães ou “ninho de gansos”? A passagem dos gansos – quando jornalistas e policiais se confundem.  

Mas, como tem gente que ainda acha que estada e estadia têm o mesmo significado, vale lembrar (sem ir ao Aurélio): Estada: ato de estar; permanência de pessoa em algum lugar, hotel, pousada, residência… Estadia: o tempo de permanência de um navio no porto, ou para aviões em aeroportos e hangares, automóveis em garagens e estacionamentos, trens…  

Há uma diferença cavalar entre revolução e golpe de estado. Mas, nesses tempos bicudos, em todos os sentidos, há quem tenha lembrado e comemorado a revolução de março de 64, isso mesmo, revolução (sic), para muitos, a redentora… Foi um golpe, golpe civil-militar. Basta ver o que vem a ser golpe de estado: ação de uma autoridade que viola as formas constitucionais; conquista do poder político por meios ilegais. Revolução: mudança brusca e violenta na estrutura econômica, social ou política de um Estado. Exemplo: a Revolução Francesa.  

Uma quartelada: movimento sedicioso, sem bases sociais, provocado por militares; golpe. Quartelada com o fomento e apoio do velho PIG – o Partido da Imprensa Golpista, como bem espinafrou o jornalista Paulo Henrique Amorim, sempre fulminante no seu site Conversa Afiada.  

Ainda do livro de Beatriz Kushnir:  

AI-5, ato imposto em dezembro de 1968.  

– A censura se configura, pois, como um ato violento, explícito, mas também insidioso, a demonstração cabal do reconhecimento da força das ideias do inimigo, o recuo para um lugar onde o debate e o conflito de opiniões cedem suas posições à violência.  

– Os jornalistas não combateram em bloco o arbítrio. Assim, jornalistas que se tornaram colaboracionistas se tornaram, na feliz expressão da autora, cães de guarda”, como destaca Stella Bresciani, autora do prefácio. Cães ou “ninho de gansos”. A passagem dos gansos – quando jornalistas e policiais se confundem.  

Gansos do Capitólio  

Sobre os tais gansos, temos o Portal Luis Nassif – Construindo Conhecimento, citando Raimundo Magalhães Jr., jornalista, biógrafo e teatrólogo:  

– São frequentes as alusões aos gansos do Capitólio. Segundo a lenda, quando essa colina romana foi assaltada em plena noite pelas tropas de Breno, no quarto século antes de Cristo, os soldados romanos só não foram surpreendidos dormindo, em suas fortificações, porque os gansos ali existentes fizeram grande alarido, denunciando a aproximação de estranhos. Houve, graças a isso, prolongada resistência, mas o Capitólio só deixou de ser ocupado porque Breno aceitou uma oferta de mil libras de ouro para levantar o cerco. Os gansos, consagrados aos deuses, foram desde então conservados no Capitólio.  

Voltando ao PIG, o bolsonarismo e a reclusão por conta da gripezinha, há quem tenha recorrido a um velho provérbio árabe depois de ler o noticiário sobre as barbaridades de quem (no poder) trata de ganhar dinheiro por conta da desgraça alheia.  

– É o homem que ganha o dinheiro… Ou é o contrário?  


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