Cinco da tarde

Notas sobre o belo e o amargo

Cinco da tarde em um café de Buenos Aires e só te resta um único espaço no balcão. Não há mais nada para se fazer as cinco da tarde a não ser contemplar da vida. Para quê mais afinal servem um café em um dia de frio? Cinco da tarde para olhar ao redor e respirar um pouco. Tomar fôlego para a noitada. Ver os amigos sorrirem pessoalmente. Falar ao telefone com alguém importante para nós. Cinco da tarde de pôr-do-sol de café com frio ou de cerveja gelada. Cinco da tarde de abertura de trabalhos alcóolicos. Cinco da tarde de meditar ou de suar na academia. Cinco da tarde para dizer chega ao dia que começou as cinco da manhã.

Quando era menino eu saia do colégio às cinco da tarde. Era a melhor hora do dia. Eu saía às cinco e quinze minutos, em verdade e esses eram os quinze minutos mais longos da minha curta existência. Dali até o sol se pôr era muito importante correr até em casa para largar a mochila o mais rápido possível e brincar na rua, já que a noite trazia a dura punição de ter que ir pra casa tomar banho, colocar pijama e jantar. Três coisas tão simples que se resumem no Brasil como uma espécie de conjunto de privilégios sofisticados: poder estudar, brincar na rua com segurança e ter o que comer. Que loucura que isso não seja o básico para qualquer criança. Mais louco ainda a velocidade com que nos acostumamos com a falta disso.

Cinco da tarde também é desse tipo de privilégio que é adjetivado àquelas coisas básicas da vida. O tempo de contemplação que deveria fazer parte do viver está morto. Foi assassinado pelo neocapitalismo, envenenado pelo culto à performance, pela sobrecarga de trabalho elevada à redenção sacrificial da vida. Por isso cinco da tarde também pode ser resistência política com a devida liberdade poética. Cinco da tarde é bom para escrever assuntos de fim de tarde, assuntos que combinem com café e medialunas, amor e liberdade, vinho e amigos.

Um facho neoliberal deve odiar a contemplação da vida que se pode ter no fim do dia. Ela não traz lucro, não é produtiva. Por isso me pergunto sobre o espaço que ocupo nesse balcão como uma metáfora do espaço que ocupo na vida. Quem prefiro ser às cinco da tarde? Um neoliberal empatador da foda poética com a existência ou um contemplador das poesias cotidianas? Alguém que desempenha com eficácia o amargo que faz escoar o tempo e perde a oportunidade de regozijar sobre o doce sem sentido? São cinco da tarde e só vejo a fumaça do meu café e o sol querendo ir deitar. Que baita privilégio.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

Há saída para a violência?

Há que se ter coragem para assumir, em espaços conservadores como o Poder Judiciário, posturas contramajoritárias como as que propõe a Justiça Restaurativa

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima