Cheguei pra votar (sobre democracia e amigos)

Cheguei de Buenos Aires a tempo de votar. Pela estrada vi placas e painéis em apoio ao fascismo. Bregas, feios, como frases de efeito messiânicas

Cheguei de Buenos Aires a tempo de votar. Pela estrada vi placas e painéis em apoio ao fascismo. Bregas, feios, como frases de efeito messiânicas. “Salvar o Brasil” dizia um deles. Engraçado como todo discurso da extrema direita é também uma confissão da própria prática. Acusam os outros dos crimes que eles mesmos irão cometer. Uma parte do país não admite estar vendo isso, a parte histérica, lógico.

Quanto mais a estrada seguia mais deixava para trás os amigos e as certezas de liberdade que construí por lá. Ainda bem que havia os outros amigos para me receber aqui. Faltava só uma hora para a votação terminar. Saí correndo. Com fome, cansado, suado, fedido e com raiva, enfim, um resumo do brasileiro. Votei no candidato que há tempos tenho criticas, mas o fiz cheio de certeza e segurança no coração, coisa que nunca tive em nenhuma eleição.

Tomei banho, passeei o cachorro, não consegui comer. Uma tristeza começou a tomar parte de mim, uma angústia democrática, uma vontade de chorar. Por fim, encontrei os amigos para acompanhar a apuração. Clima de festa, docinhos na mesa, mini cachorro quente, mas o que eu precisava mesmo era de um trago. Qual vai ser? Perguntou o dono da casa. Um vermelho! – eu disse. Tomei um vermute, um outro lá também, o fascista tá na frente, me dá mais um, sei lá qualquer um, cara vai virar, virou!

Gritaria pela casa, alegria. Mas parou por aí.

Faltou pouco, mas não foi dessa vez.

Se ele ganhar eu vou embora do país, disse uma amiga. Eu fui embora por esse motivo, talvez esse movimento pareça mais pertinente agora que cinquenta milhões de brasileiros preferiram a perversidade à democracia.

De lá fui para o bar chorar com mais amigos, por sorte a cada amigo que abraçava fazia surgir novo fôlego, novo vigor. Um vigor puto da cara, de saco cheio, mas ainda assim vigor. No final da noite vi meus amigos como grande painéis de ânimo e nós todos em conjunto como um grande discurso de amor, unidos pelas nossas questões pessoais sobre a vida, a morte, a arte, a natureza e o tempo. Felizes com nossa neurose e vivos por ter muitas perguntas. O contrário do fascismo, que se faz uma fábrica de respostas na vã tentativa de uma salvação que não é nada mais que uma projeção infantilizada de adultos mal resolvidos. Por final foram meus amigos que me salvaram. E eu a eles.

Juntos nos abraçaremos em dores e amores até fazer da vida aquilo que ela merece ser. Não saberemos bem o que estamos fazendo, mas assim é a vida e assim seguiremos.

Apesar deles.

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