O futuro das cidades será um anti-Blade Runner

O uso de novas tecnologias alternativas na arquitetura e no urbanismo se demonstra inevitável, independente da escala do projeto

A atmosfera retrofuturista nos filmes dos anos 80 constrói um cenário urbano distópico cuja arquitetura vale-se de tecnologias alternativas, cidades híper-adensadas, construções com dimensões exageradas e vias terrestres e aéreas com tráfegos intensos. Ensaios cinematográficos tech noir como “Blade Runner”, dirigidos cronologicamente por Ridley Scott (1982) a Denis Villeneuve (2017), por exemplo, deixam atraentes (e, claro, romanceados) o alto fluxo de circulação e informação visual, além de poucos elementos naturais e a presença de gigantescos empreendimentos arquitetônicos, aparentemente espremidos nos interstícios urbanos onde o contraste adensamento e solidão é eventualmente mitigado pelo uso da tecnologia. Esses ensaios mostram respectivamente como seria a cidade de Los Angeles nos anos de 2019 e 2049, onde, nos filmes, ela quase se torna um personagem que interage de forma caótica, mesmo que silenciosa, com o interlocutor.

Blade Runner – Filme de 1982 dirigido por Ridley Scott

Na contramão, projetos urbanos desenvolvidos por escritórios de arquitetura enaltecem a possibilidade de unir adensamento e tecnologia para priorizar a sustentabilidade e o bem-estar, caminhando para um viés mais otimista. Comumente conhecidos como master plans, alguns desses planejamentos urbanos ainda são vistos sob uma atmosfera utópica, principalmente os elaborados para cidades inexistentes.

Um exemplo é a criação de uma megacidade na Arábia Saudita, chamada de Projeto NEOM, que traz algumas soluções ousadas e que fogem da estética de cidade comum: uma volumetria linear de quase 170 quilômetros de extensão e 500 metros de altura. O projeto passou por diversas modificações desde o seu primeiro lançamento em 2017, mas as imagens atualizadas são extremamente conceituais, seguindo um padrão arquitetônico minimalista e linear. Informações publicadas no seu Twitter oficial, sugerem que a cidade futurista funcionará sem o uso de carros, com energia totalmente renovável e terá um microclima regulado para priorizar a saúde dos residentes, que chegaria a 9 milhões de habitantes. Planejamentos urbanos dessa magnitude ainda se assemelham muito àquele cenário sci-fy intangível exibido em filmes, mesmo que idealizados por uma equipe extensa de arquitetos e engenheiros.

NEOM – cidade idealizada na Arábia Saldita

Outros planejamentos trazem soluções baseadas em diagnósticos existentes e em uma escala menor, se comparados à NEOM. Geralmente criados para megalópoles na Inglaterra, Estados Unidos e Singapura, eles visam acompanhar e aprimorar a dinâmica cotidiana existente nesses meios urbanos, o que torna sua análise mais convincente e suas expectativas mais realistas. Para Nova York, por exemplo, foi divulgado um master plan projetado pelos escritórios BIG (Bjarke Ingels Group) e Field Operations que engloba a orla do rio East River na região do Brooklyn.

O projeto não cria uma cidade do zero, mas reestrutura um bairro. Traz em seu escopo o ideal “adensamento somado à tecnologia” para projetar um empreendimento de uso misto e um “parque resiliente”. Diferente das edificações quilométricas, a ousadia tecnológica acontece na criação de uma praia em área pública e sem uso, direcionando infraestrutura à água do rio para melhorar o contato e relacionamento dos moradores com o mesmo. Além do parque, o projeto também conta com milhares de unidades habitacionais verticalizadas em dois edifícios, áreas de escritório e varejo, e outros espaços públicos incluindo uma esplanada circular, um anfiteatro, piscinas naturais e um píer de pesca.

Master Plan para River Street Waterfront em Nova York

Master plans como esse são vistos com mais facilidades em cenário nacional, principalmente nas grandes capitais. Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, é um exemplo recente de cidade que ganhou um planejamento que reestrutura a dinâmica da cidade. Assinados por uma série de arquitetos e escritórios de arquitetura, os projetos compõem um parque linear de quase 70 quilômetros de extensão, também na orla de um rio local, o rio Guaíba. O plano conta com o retrofit no centro histórico, praças e parques com áreas de descompressão conectados por diferentes modais viários como ciclofaixas e hidrovias, e empreendimentos comerciais que remodelam o tecido urbano da cidade, trazem valorização imobiliária e recuperam as áreas naturais degradadas.

Pontal – Centro comercial, edifício multiuso e parque compõem o master plan na orla do rio Guaíba, em Porto Alegre

Diferente da orla do Brooklyn, esse planejamento tem enfoque nos projetos de uso público, e traz espaços equipados com tecnologias que fazem uso de energia renovável como placas solares, materiais de controle solar e técnicas que utilizam a água fluvial para controle térmico, alguns dos exemplos que priorizam o bem-estar dos locais, da cidade e do meio onde foi planejada.

Nota-se, por tanto, que num âmbito universal, o uso de novas tecnologias alternativas na arquitetura e no urbanismo se demonstra inevitável, independente da escala projetual. De novos bairros a novas cidades, a linearidade das técnicas sustentáveis apontam para um sistema urbano que, cada vez mais adensado, deve priorizar a qualidade de vida por meio do uso consciente dos espaços inocupados.

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