Ocupações, favelas ou o olho da rua

O Brasil já foi chamado de país continente. Seu território é o quinto maior do mundo (mais de 8 milhões de quilômetros quadrados), quase a metade da América do Sul. Mas, por conta do tamanho, virou também o país dos latifúndios – e daí os sem terra e sem teto.  

E temos agora um episódio deveras lamentável dentro da RM de Curitiba, uma briga por um terreno de 42 alqueires. E a disputa, como bem demonstrou o Plural, na segunda-feira (19), em reportagem de Angieli Maros, “poderá afetar o destino de 5 mil pessoas que formam a maior ocupação urbana do Paraná – entre elas milhares de crianças, idosos, migrantes e refugiados. Tudo depende da Justiça. Uma ação movida pelo governo do Estado pede a reintegração de posse de uma área pública em Campo Magro, Região Metropolitana de Curitiba, onde famílias desabrigadas passaram a viver durante a pandemia”.  

Seguem trechos da matéria: correndo há meses, o litígio já coleciona um vai e vem de decisões. Não fossem os recursos e os esforços por conciliação, a medida teria mandado os assentados para a rua no auge da maior crise sanitária mundial dos últimos 100 anos.  

Fim da solidariedade?  

No centro do dilema está um terreno de 42 alqueires que, por décadas, abrigou a Fazenda Solidariedade, unidade de tratamento de dependentes químicos da Fundação de Ação Social (FAS) de Curitiba. Os atendimentos foram encerrados em 2009 e, em 2013, a FAS cedeu por 20 anos o uso da área para projetos da atual Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf). Os planos nunca saíram do papel, e o imóvel, a menos de 500 metros da prefeitura de Campo Magro, ficou sem qualquer destino social – até a chegada dos primeiros moradores da ocupação, em maio deste ano.  

A breve esperança  

Ainda da reportagem: de diversas partes da RMC, inclusive de Curitiba, famílias que ficaram sem dinheiro para o aluguel em meio à crise gerada pela Covid-19 começaram a se estender por lotes imaginários. A ocupação, chamada de Nova Esperança, tomou corpo e, em junho, a prefeitura de Campo Magro solicitou providências ao governo do Paraná, alegando danos ambientais e aglomerações proibidas pelo decreto estadual que regra as medidas contra a pandemia.  

A resposta veio em forma de pedido de reintegração do terreno, em ação que tramita na 2.ª Vara da Fazenda Pública de Almirante Tamandaré.  

E ressalta a jornalista: Entre liminares, recursos e audiências de conciliação, o Estado já acumula, até agora, duas decisões favoráveis. Com a alegação de que o decreto do Tribunal de Justiça (TJPR) que suspendeu o cumprimento de ordens de reintegração de posse enquanto durar a pandemia só contempla núcleos coletivos anteriores à diretriz, o primeiro despacho oportuno ao governo saiu no dia 29 de junho, quando o Paraná chegava a 600 mortos pela Covid-19.  

Assinada pelo juiz Alexandre Van Der Broocke, a sentença levou em conta o aumento de moradores na área, na contramão do estabelecido em acordo anterior entre as partese que, na visão do magistrado, poderia agravar o contexto de emergência sanitária. A ordem foi suspensa em instância superior, mas novo pedido levou à determinação, pelo mesmo juiz, do cumprimento da sentença, contra a qual a Defensoria Pública do Paraná (DPPR) recorreu.  

A liminar deferida pela desembargadora Denise Krüger Pereira não suspendeu os efeitos da reintegração, mas estendeu de 15 para 90 dias o prazo para a desocupação voluntária do imóvel. Agora, moradores e uma frente de conciliação formada pela Comissão de Conflitos Fundiários do TJPR, pelo Ministério Público (MPPR) e pela Defensoria Pública correm contra o tempo para encontrar uma solução e evitar o que é entendimento comum: o despejo sem responsabilização, que ao invés de sanar, apenas mudaria o problema de endereço.  

Um triste destino  

– Todo dia dormimos com medo e, ao mesmo tempo, com a esperança de ficar. A gente já imagina a polícia entrando e tirando todo mundo. Minha família, como muita gente aqui, não tem para onde ir. Se isso acontecer, eu vou morar embaixo de uma ponte, numa praça. Essa é a realidade, diz Juliana dos Santos Inácio, de 35 anos, uma das primeiras moradoras a chegar no terreno. “Ir para Curitiba não dá porque lá os abrigos são limitados”.  

Mais de mil refugiados  

A Ocupação Nova Esperança tem ainda um perfil distinto das demais espalhadas pelo Paraná. Nela, vivem cerca de 1,7 mil refugiados e migrantes haitianos – o que equivale a um terço dos moradores do local. Assim como as 18 famílias cubanas e alguns venezuelanos que também montaram seus casebres no terreno, eles vivem sem qualquer outra referência de endereço no Brasil.  

PS meu: para muitos, certamente, o Brasil era o país da esperança. 

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