De volta ao folclore político. Algo de novo?

Lançado em 2002, livro de Sebastião Nery não perde a atualidade ao mostrar as duas faces da política: a de grave seriedade e a risonha e marota

Sem recorrer à desculpa cada vez mais esfarrapada (“por conta do isolamento”), mas, isso sim, diante do desfile de candidatos à cata de votos, há quem tenha sacado da estante um livro guardado com muito carinho e apreço: Folclore Político – 350 Histórias do Folclore Político, de Sebastião Nery – Geração Editorial, 2002.  

Por que folclore? Para driblar a censura oficial e a censura interna dos jornais que publicavam os textos – e, assim, fugir de algum processo ou prisão. Afinal, folclore vem a ser conjunto de lendas, provérbios, manifestações artísticas em geral, algo preservado por um povo ou grupo populacional por meio da tradição oral.  

Bastaria ver personagens como o Saci-Pererê, o boto cor de rosacurupira e a mula sem cabeça, entre outros.  

Do PSB ao PMDB  

As publicações começaram nos anos 70. Baiano de Jaguaquara, (8 de março de 1932), Sebastião Augusto de Sousa Nery militou no PSB, MTR, PDT e PMDB. O MTR (Movimento Trabalhista Renovador) foi fundado em 1959 por Fernando Ferrari e dissidentes do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro. Foi extinto pela ditadura civil-militar no dia 27 de outubro de 1965, por força do AI-2 – Ato Institucional Número 2.  

As duas faces da política  

Para Sebastião Nery, existem duas histórias políticas do cotidiano:  

 – A oficial, pomposa, solene, que toma conta do noticiário dos jornais e das revistas, com declarações calculadas por parte dos políticos, denúncias, articulações, tramas e notas nem sempre verídicas – tudo coberto por um manto de grave seriedade; a outra é risonha, marota, contada em segredo nos gabinetes fechados, na sala do cafezinho do Senado e da Câmara, os grotões mais distantes e até nas alcovas.

Através dos tempos  

As histórias de Sebastião Nery, curtas e engraçadas, sobre políticos brasileiros, começaram a sair nos jornais nos anos 70 e 80. E foram reunidas em livros que venderam milhares de exemplares em livrarias e em bancas, em quatro grandes volumes. O quinto volume – pronto desde meados dos anos 80 – nunca foi publicado.  

Este Folclore Político, lançado pela Geração Editorial, reúne todas as famosas histórias reunidas nos quatro volumes esgotados, mais as 500 histórias inéditas do volume 5. Como destacam os editores, “são ao todo 1.950 histórias risonhas, marotas, irônicas, retratando as qualidades e as ausências de qualidades dos mais famosos ou mesmo desconhecidos políticos brasileiros de todos os tempos”.  

E fazem parte do livro as histórias que Jô Soares adaptou para uma famosa peça teatral, no início dos anos 80.  

Anedotário político  

Ainda dos editores, com o devido aval (posterior) dos leitores: “Em todas elas, a graça e o charme do texto deste jornalista que se tornou o maior crítico dos costumes políticos de nosso país. Estas histórias, que circulam diariamente, recontadas nem sempre com a mesma graça, pelos jornais brasileiros, transformaram Sebastião Nery numa verdadeira lenda do anedotário político brasileiro”.  

A queixa do Café  

Café Filho assumiu a Presidência do Brasil após o suicídio de Vargas.

Costa Porto era ministro de Café Filho, amigo dele, e quase nunca levava papéis para o presidente despachar.  

– Porto, por que tu trazes tão pouco despacho?  

– Café, no meu Ministério ou tenho problemas tão pequenos que eu mesmo resolvo, ou tão grandes que nem você resolve.  

Nery é o que se pode chamar de “especialista” nos meandros do poder, além de engraçadíssimo contador de histórias – histórias tão boas que foram adaptadas para o teatro por nada menos que Jô Soares. A peça foi um sucesso nos anos 80, ainda durante a ditadura militar. Ou melhor, civil/militar.  

E como a política seguiu seu caminho, e Nery a acompanhou, ainda valem as palavras de Millôr Fernandes (Milton Viola Fernandes) para o prefácio do primeiro volume: É um livro extremamente atual.  

Em fevereiro de 1997, Nery escreveu um artigo no jornal Folha de S. Paulo, acusando o presidente Fernando Henrique Cardoso de “destruir” a legislação social e trabalhista do país.  

Quando voltou para o Brasil, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo. E aí, sobre a viagem a Moscou, comentaria: os russos, meio encantados comigo, me convidam para voltar à União Soviética. Disse que só voltava se fosse para conhecer a Sibéria.  

Isso ocorreu.  

– Passei três meses na Sibéria e também fiz um livro: Sebastião Nery na Sibéria. Botei logo o meu nome porque as pessoas precisavam acreditar que era verdade. Lá ouvi que eu era o único brasileiro que conhecia 42 cidades da Sibéria (risos).  

De rural a país financeiro  

– Hoje eu sou mais de esquerda do que quando eu era do Partido Comunista. Eu acho que o Brasil tem que aprofundar o processo social, virou o país do capitalismo selvagem. Naquela época, era um país rural e depois virou industrial, comercial e é um país financeiro.  

E alguém perguntou:  

– Você disse que o Brasil está se tornando um país financeiro. Qual a solução para isso no Brasil?  

Sebastião Nery:  

– A solução é política. É o movimento social, o povo participando. Hoje, o povo acha que participa votando no Big Brother, na garota do Fantástico. Acham que assim participam da vida nacional.  

Os cãezinhos DIP e DASP  

Getulio Vargas se valeu de um suposto plano comunista para tomar o poder no Brasil para dar um golpe e instalar o Estado Novo no país.

De volta ao palácio presidencial.  

Diálogo no Catete. Visitantes bajuladores elogiam dois cachorrinhos do presidente Getúlio Vargas. “Que belezinhas que eles são!”. Um dia perguntaram o nome dos dois cãezinhos. E Getúlio não deixou por menos: “DIP e DASP. O DIP late e o DASP morde”.  

DIPDepartamento de Imprensa e Propaganda – órgão criado em dezembro de 1939, por decreto do presidente Getúlio Vargas. O DIP serviu como instrumento de censura e propaganda do governo durante o Estado Novo.  

Já o DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público – um órgão do governo federal criado pelo Decreto-Lei 579, de 30 de julho de 1938, durante o governo de Getúlio Vargas, fazia parte de um esforço de reforma na administração pública, como já era previsto na Constituição de 1937.  

Foi assim, ontem, anteontem – e dá para imaginar o folclore político de agora com a incrível e insuperável contribuição do (des)governo Bolsonaro: a Terra virou plana, os trabalhadores deveriam tentar empreender para ver como é barra pesada ser empresário e, para melhorar o meio ambiente, basta fazer cocô dia sim, dia não. Covid-19? Ora, é só uma gripezinha…  

Tudo isso ao som do virundum do Ipiranga às margens flácidas… 

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

As cozinhas do Ipiranga

Guardávamos boas lembranças das visitas ao Museu do Ipiranga, em São Paulo. Lembrava das escadarias centrais, da sala com a pintura do quadro que retrata o Grito da Independência, dos corredores e a exposição de carruagens, além de um ou

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima